Após assassinar a esposa, o marido conta com a ajuda do filho para jogar o corpo dela dentro de um poço abandonado, o problema é que não dá pra ter certeza se ela está realmente morta; Ao retornar de um evento literário, o pneu do carro de uma escritora fura numa estrada deserta e quem surge para ajudar não é exatamente um amigo; Um homem sofrendo com o avanço do câncer descobre uma possibilidade de cura, só que ela é um tanto bizarra, já que todo o mal deverá ser transferido para outra pessoa; Uma dona de casa esbarra numa caixa na garagem de casa e acaba descobrindo um segredo bizarro de seu marido.
Estes quatro contos que compõem o livro Escuridão Total Sem Estrelas, lançado pela Suma de Letras, com tradução de Viviane Diniz, são uma boa amostra da imaginação doentia de Stephen King, o prolífico mestre do suspense.
São mais de 50 livros de uma carreira que começou lá nos anos 1970 com Carrie, A Estranha e passou por algumas obras um pouquinho conhecidas como O Iluminado e À Espera de Um Milagre. Enfim, não é todo autor que tem uma prateleira para chamar de sua em praticamente todas as livrarias e é aí que mora a ignorância, pois se um escritor faz muito sucesso e publica praticamente uma obra por ano significa que ele só lança um monte de bosta em forma de livro, certo? Errado. Erradíssimo, meu amigo. A paixão/compulsão que Stephen King tem pela escrita (para saber mais sobre isso, leia a biografia escrita por Lisa Rogak ou o livro Sobre a Escrita, do próprio King, direcionado aos escritores iniciantes) faz com que ele produza algumas coisas medianas às vezes, mas num geral, as suas histórias são de fazer a gente se borrar de medo o suficiente para ficar um bom tempo sem se levantar à noite para buscar água.
King é muito mais conhecido por suas histórias sobrenaturais, mas talvez nem todos saibam que ele também escreve coisas incríveis sem nadica de nada de palhaço demoníaco ou máquina de lavar roupa assassina. O livro Quatro Estações, por exemplo, também é composto por quatro contos e três delas viraram filmes, sem nada de sobrenatural, que talvez você já tenha ouvido falar: Conta Comigo, Um Sonho de Liberdade e O Aprendiz. Três filmaços, vindos de apenas um livro. Cadê o seu Deus agora, hater?
A paixão/compulsão que Stephen King tem pela escrita faz com que ele produza algumas coisas medianas às vezes, mas num geral, as suas histórias são de fazer a gente se borrar de medo o suficiente para ficar um bom tempo sem se levantar à noite para buscar água.
Escuridão Total Sem Estrelas fica no meio a meio: duas histórias são sobrenaturais e as outras duas não. O que elas têm comum é o fato de termos sempre um protagonista que leva uma vida aparentemente normal e de repente se vê diante de uma situação extrema.
“1922”, que abre o livro, explora o isolamento das fazendas americanas nesse período para falar sobre um casamento conflituoso, uma disputa de terras e alguns ratos malignos. O conto vai muito bem até o meio, com inúmeros trechos bizarros envolvendo os animais, mas depois Stephen King inventa de querer meio que homenagear Bonnie e Clyde (WTF?) no meio da treta e acaba quase dando argumento para aqueles que reclamam que ele sabe começar uma boa história, mas nem sempre consegue terminá-la de maneira satisfatória.
A coisa melhora com “Gigante ao Volante” (adaptado para o cinema em 2014, num filme estrelado por Maria Bello), pois ali o escritor se sai muito bem contando uma típica história de vingança. O interessante deste conto é que, por ser protagonizado por uma escritora, ele também funciona como um comentário a respeito dos clichês dos livros de suspense, desta forma nós observamos a “realidade” acontecendo, enquanto acompanhamos o “raciocínio literário” da autora que começa uma caçada contra o seu algoz.
“Extensão Justa” é uma história que parece saída diretamente de um episódio de Além da Imaginação. É curioso perceber nesse conto como o autor subverte algumas convenções de gênero, ao nos apresentar um personagem que não passa por punições ou grandes crises de consciência após tomar decisões perversas.
O livro fecha com Um Bom Casamento, baseado na história de Dennis Lynn Rader, um serial killer americano que torturou e matou 10 pessoas entre os anos de 1974 e 2005. A perspectiva que temos é a da esposa, que conviveu durante décadas com o assassino sem desconfiar de quem ele realmente era.
Stephen King é especialista em explorar os nossos medos mais profundos e em Escuridão Total Sem Estrelas ele se diverte enquanto a gente rói as unhas. Ele nos pega pela mão e nos leva para um passeio, mas quando nos damos conta de seus planos malignos já é tarde, pois estamos sozinhos numa sala escura. Não dá para ver nada, mas há alguns sons estranhos vindos de algum lugar muito próximo.
ESCURIDÃO TOTAL SEM ESTRELAS | Stephen King
Editora: Suma;
Tradução: Viviane Diniz;
Tamanho: 392 págs.;
Lançamento: Março, 2015.