Um repórter policial chamado João investiga uma série de crimes brutais cometidos na cidade de São Paulo. Como as vítimas são sempre minorias como homossexuais, judeus, negros e nordestinos, fica bastante claro que quem está por trás disso tudo é algum grupo fascista desses que proliferam nas grandes metrópoles e inclusive participam de manifestações com camisas da CBF. Caberá ao repórter se enfiar nesse submundo de intolerância e patriotismo para tentar descobrir quem está no comando.
Esta Terra Selvagem, lançado recentemente pela editora Companhia das Letras com uma capa aparentemente inspirada na série da HBO True Detective, é um thriller policial cuja narrativa avança de maneira vertiginosa por pouco mais de cem páginas. É o tipo de livro para ler numa sentada e a diversão está justamente nesse ritmo alucinante, na leitura que flui rapidamente, com vários ganchos certeiros, sem dar muito tempo para respirar ou pensar.
O problema é que quando fechamos o livro e a curiosidade sobre o que vai acontecer a seguir já não nos impede de pensar, constatamos que foi divertido e tal, mas que também foi uma experiência bem esquecível.
Sobre a autora, a orelha do livro dá poucas informações a respeito da desconhecida Isabel Moustakas. Esta Terra Selvagem supostamente seria o seu livro de estreia, mas especula-se por aí que na verdade este nome é um pseudônimo de algum escritor já conhecido do público que, provavelmente, quer testar se sua obra se sustenta sozinha, sem o seu nome na capa (tipo o Stephen King publicando como Richard Bachman). Pode ser que a autora exista de verdade, pode ser um nome consagrado, pode ser um Zé ninguém, pode ser só uma brincadeira, pode ser uma maneira de escancarar uma insegurança ou desejo de validação, tanto faz, o mistério é até divertido e muita gente anda chutando a verdadeira autoria. Raphael Montes é um dos mais lembrados, já que escreveu sobre a obra no blog da editora e o estilo realmente se assemelha ao seu.
A escritora Luisa Geisler (Luzes de Emergência se Acenderão Automaticamente) assumiu, mas ao mesmo tempo não assumiu o pseudônimo de Isabel Moustakas (leia o texto aqui). Particularmente, continuo achando pouco provável que seja ela, pois o estilo e o gênero são completamente diferentes do que vemos no universo literário da autora. Não que uma escritora não possa se reinventar, mas se Moustakas for Geisler, teremos então um caso de troca de identidade quase sobrenatural.
Enfim, foda-se de quem é a autoria, o que importa aqui é o livro.
Se encarada como entretenimento, a obra se sustenta bem e possui uma estrutura que realmente diverte e pode agradar quem não está muito acostumado com leitura. É um daqueles livros rápidos, bacanas de ler e que podem atrair novos leitores para o gênero, o que é um grande mérito.
Se encarada como entretenimento, a obra se sustenta bem e possui uma estrutura que realmente diverte e pode agradar quem não está muito acostumado com leitura.
Porém, basta ser um pouco mais exigente e aprofundar o olhar para verificar que há alguns tropeços. A opção pela narrativa extremamente ágil é interessante, mas também compromete qualquer profundidade que a história queira esboçar. E o problema está bem aí, pois o livro aparentemente tenta ser sério ou politicamente relevante, uma vez que faz um tipo de denúncia social ao escancarar a presença de grupos fascistas e a crescente onda de intolerância que vem tomando o país de maneira um tanto assustadora. Trata-se de um tema bem atual, mas a questão é que isso é mostrado de maneira extremamente superficial, sempre muito maniqueísta, quase resvalando naquilo que as redes sociais agora denominam de “fanfic” (a saber: uma narrativa pessoal e obviamente ficcional que tenta se passar por verdadeira para comover o leitor a partir de um determinado discurso ideológico).
A própria estrutura do mistério acaba sendo um pouco prejudicada pela previsibilidade de uma reviravolta que vem se anunciando desde o meio do livro, já que nem precisa ser um leitor muito escolado para prever que uma traição está para acontecer. O ponto favorável a este respeito é que demonstra como o fascismo já se proliferou por todas as esferas sociais.
Há também um claro interesse do narrador e até mesmo da diagramação do livro em tentar chocar o leitor através das cenas de violência. Para alguém que, por exemplo, já tenha lido Pssica (leia a crítica aqui) de Edyr Augusto ou mesmo Cidade de Deus, do Paulo Lins, as cenas da violência em Esta Terra Selvagem acabam parecendo coisa de pré-escola. Referente a este aspecto, a diferença substancial entre essas obras é que nos livros do paraense e do carioca a violência surge como um elemento que compõe a natureza dos personagens (de todos eles) e torna mais complexo o contexto em que eles estão inseridos, enquanto que em Moustakas a brutalidade possui um interesse muito mais estético, de chocar por chocar apenas para criar um efeito, o que fica evidenciado até mesmo na maneira “artística” como os corpos estão dispostos nas cenas dos crimes (claramente influenciada por filmes de serial killers norte-americanos, como Se7en).
No fim das contas Esta Terra Selvagem está longe de ser um livro ruim, já que é divertido, toca em temas interessantes e possui um ritmo excelente. Contudo, o livro também está um pouco longe de ser uma obra relevante.
ESTA TERRA SELVAGEM | Isabel Moustakas
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 120 págs.;
Lançamento: Março, 2016.