O experiente repórter Scott McGrath tenta investigar o obscuro universo de um cineasta chamado Stanislas Cordova (com base nas descrições de seus filmes, ele é uma aparente mistura de David Lynch e Luis Buñuel), após receber informações um tanto bizarras de uma testemunha não identificada. A investigação não avança e o repórter acaba por afundar o seu nome na lama, pois não consegue provar as acusações que levantou.
Anos depois, Asheley Cordova, filha do tal cineasta, é encontrada morta em um galpão. Tudo indica que o que aconteceu foi um suicídio, mas McGrath enxerga ali uma oportunidade de recomeçar a investigação e, quem sabe, recuperar a sua carreira. Afinal, por que a garota teria se matado? Para desvendar esse mistério, o repórter contará com a improvável ajuda de dois jovens que estiveram em contato com Asheley pouco antes de sua morte.
Filme Noturno, escrito pela norte-americana Marisha Pessl, lançado aqui no Brasil pela editora Intrínseca, com tradução de Alexandre Martins, segue as premissas básicas de um romance policial, com uma investigação que avança pista a pista, um protagonista cheio de problemas, etc, mas acaba por se tornar uma obra mais interessante por flertar com outro gênero: o terror. A autora é bastante feliz ao criar uma ambientação sinistra, com casas decadentes, mansões empoeiradas e personagens estranhos, que aos poucos vão compondo um universo cheio de situações assustadoras que fazem o leitor suar frio.
O livro acaba por se tornar uma obra mais interessante por flertar com outro gênero: o terror.
Uma das grandes sacadas da obra é não deixar claro, em momento algum, se aquilo que estamos acompanhando é uma história “real” ou se há elementos sobrenaturais envolvidos. Fica a cargo do leitor escolhem em que acreditar, conforme as evidências vão aparecendo. Particularmente, eu fui mudando de ideia umas dez vezes ao longo da leitura.
Outra coisa bem interessante é o uso de imagens. Se o trio de protagonistas encontra uma foto, o leitor pode vê-la, se eles entram num site da deep web, o que vemos são as páginas da internet. O mesmo ocorre com revistas, jornais, laudos, bilhetes, etc. O recurso não é utilizado de forma ostensiva e ajuda muito na dinâmica da história, pois torna aquele universo mais convincente.
O livro possui um ritmo alucinante e as mais de 600 páginas passam muito rápido, pois não dá tempo para enrolação, uma vez que uma nova pista está sempre aparecendo. Por ser uma história muito intricada e entupida de personagens, seria até um desserviço tentar explicá-la aqui, a obra acaba por derrapar em alguns momentos, principalmente no que diz respeito à linguagem.
A investigação do trio acaba sendo facilitada, pois absolutamente todos os personagens que eles entrevistam são muito eloquentes e gostam de falar como se estivessem escrevendo um livro, com um admirável encadeamento de fatos e ideias. E todos eles falam exatamente da mesma maneira, sem nuances, como se fossem um personagem só ou a voz da autora estivesse vazando sem querer. Isso facilita (em excesso) a compreensão da trama, mas ao mesmo tempo aquilo começa a deixar de ser crível.
Apesar disso tudo, Filme Noturno não subestima a nossa inteligência. O final corajoso é um prova disso. O leitor não tem acesso direto ao cineasta e, tal como em Cidadão Kane, a misteriosa figura vai sendo composta apenas por meio da visão de terceiros, de pessoas que conviveram com ele e que guardam lembranças contraditórias. Aos poucos, ele se torna uma lenda, ficando bastante difícil discernir o que é realidade e o que é ficção. Cabe aos investigadores (e aos leitores) juntarem o quebra-cabeça para enfim terem acesso à verdade. Só posso antecipar que essa verdade é um tanto sinistra.
FILME NOTURNO | Marisha Pessl
Editora: Intrínseca;
Tradução: Alexandre Martins;
Tamanho: 624 págs.;
Lançamento: Novembro, 2014.