Dentre os autores de poesia contemporânea, talvez um dos melhores seja Paulo Henriques Britto. Uma peculiaridade de seu trabalho é a atenção de artífice especialmente aguçada com a forma poética. Nos tempos em que vivemos, o tipo de proposta formal que o poeta traz acaba cavando-lhe um espaço próprio. Mas independentemente da forma, é uma poesia muito boa que merece a leitura.
Neste texto vamos discutir um pouco sobre Formas do nada, de 2012. Sendo um dos últimos livros de poemas do autor, faz um certo tempo que Paulo Henriques Britto não nos agracia. Vivemos agora o primeiro grande intervalo (não tão grande) depois dos anos 2000. Claro que isso se justifica facilmente quando olhamos para sua produção, a tradução.
De 2012 para cá P.H. Britto fez grandes traduções para a Companhia das Letras (editora pela qual também publica seus livros), tais como Thomas Pynchon, Charles Dickens, Elizabeth Bishop, Philip Roth, Don Delillo, entre outros. Sua carreira estende-se para antes disso, claro, com trabalhos como a tradução de A Outra Volta do Parafuso, de Henry James. O trabalho íntimo com a língua inglesa deste tradutor acaba infiltrando-se até mesmo em sua produção autoral – há até mesmo poemas em inglês no livro.
De outro lado, Paulo Henriques Britto também atua como professor universitário na área de Letras, especialmente tradução, na PUC Rio. Para aqueles que acompanham a trajetória de Britto, a frente de ação no âmbito universitário é relevante. O trabalho como professor lança novas luzes sobre a forma de pensar a literatura. O mesmo vale para a tradução, num processo que alimenta o diálogo que travamos com o trabalho poético. São artigos, palestras e outras participações em eventos acadêmicos que ajudam a pensar a literatura um pouco pelos olhos do poeta.
Em Formas do nada, temos poemas de excelente realização técnica e momentos para repensar nossas identidades no século XXI.
Em Formas do nada, temos poemas de excelente realização técnica e momentos para repensar nossas identidades no século XXI. Não estamos falando aqui de identidades raciais ou étnicas, como tratamos em outros textos, mas da identidade do ser humano atual. Somos pessoas bem servidas de resignação, como já nos implica os sentimentos o primeiro poema da coletânea, “Lorem Ipsum”. Nossos esforços de originalidade, aponta o poema “Circular”, são bobeira frente a esse mundo em que alguém nalgum lugar sempre vai estar pensando o mesmo que você. Estamos sempre trabalhando, mas quando queremos agir tudo vai contra a mão que levantamos.
O livro de Paulo Henriques Britto traz muito autoironia e um assombro de niilismo. Seu niilismo, no entanto, ao meu ver, é um debate subterrâneo sobre o existencialismo. Muitos poemas trazem passagens que discutem o absurdo de viver nossas vidas na contemporaneidade. O leitor sente que suas dúvidas ecoam na página, por vezes até se alargando. Em “Poética Prática”, ouvimos: “São os limites do corpo intrusões malignas/ de um demiurgo escroto?/ O corpo não é preciso, e o espírito é impreciso:/ eu não é um nem outro”.
Paulo Henriques Britto escreve do Brasil, mas com uma perspectiva especialmente cosmopolita. Não avesso, mas também não muito interessado em âncoras para a sua identidade… Britto é diferente de muitos de nós hoje em dia. Ele fala em português e em inglês para os homens e mulheres que querem sentir um contato seu com suas próprias vidas ressoando nos textos de outrem. Estamos todos vivos e seguindo com o absurdo que é a jornada da vida.
FORMAS DO NADA | Paulo Henriques Britto
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 80 págs.;
Lançamento: Março, 2012.