Em Garotas mortas (todavia, 2018, tradução de Sérgio Molina), a escritora argentina Selva Almada relata o assassinato de três adolescentes na década de 1980. Andréa Danne, 19 anos, Maria Luisa Quevedo, 15 anos, e Sarita Mundín, 20 anos, integraram as estatísticas de crimes violentos cometidos contra mulheres, logo depois da abertura política naquele país.
Andréa Danne morava a vinte quilômetros de onde a narradora residia, em Villa Elisa, no centro-leste da província de Entre Rios. Esta lembrança permanece no limbo, até ser acionada pelo encontro das notícias dos 25 anos da morte de Maria Luísa Quevedo, num jornal do Chaco, num certo dia de verão, o que coincide, também, com a descoberta da notícia do assassinato de outra garota no interior de Córdoba, Sarita Mundín.
Andréa foi apunhalada no coração, enquanto dormia, em casa de sua família. Maria Luísa Quevedo desapareceu depois do expediente de trabalho como empregada doméstica e foi encontrada violentada e estrangulada num terreno baldio. Sarita, amante de um empresário rico, desapareceu por meses. Seu corpo foi encontrado às margens de um rio, pendurado num galho.
Ao mesmo tempo em que segue a investigação pessoal dos três crimes, a narradora lembra episódios sobre o machismo em sua família e de conhecidos nas pequenas cidades argentinas.
Diante da falta de respostas para os três crimes, tanto duas das famílias quanto a narradora consultam uma vidente, o que não é estranho. O machismo e as videntes são heranças da cultura medieval. Quando faltam instrumentos científicos para a investigação, ou esta é calada por questões políticas, o recurso é o esoterismo.
Ao mesmo tempo em que segue a investigação pessoal dos três crimes, a narradora lembra episódios sobre o machismo em sua família e de conhecidos nas pequenas cidades argentinas.
“E também quando falávamos da mulher do açougueiro López. Suas filhas iam à mesma escola que eu. Ela o denunciou por estupro. Fazia tempo que, além de lhe bater, açougueiro abusava sexualmente dela. Nos meus doze anos, essa notícia me impressionou enormemente. Como é que podia o marido estuprar a própria mulher? Os estupradores eram sempre homens desconhecidos que agarravam um mulher e a arrastavam para o mato, ou que entravam em sua casa forçando a porta. Desde pequenas nos ensinavam que não devíamos falar com estranhos e que devíamos tomar cuidado com o Tarado. O Tarado era uma entidade tão mágica quanto, nos primeiros anos da infância, La Solapa e o Homem do Saco. Era quem podia aparecer do nada e te arrastar até uma construção. Nunca ninguém falou que você podia ser estuprada pelo marido, pelo pai, pelo irmão, pelo vizinho, pelo professor. Por um homem em quem você tem toda a confiança.” (páginas 36 e 37).
Interessante perceber que, ao investigar estes três crimes, o objetivo não é encontrar culpados. Mas dar visibilidade às vítimas, ou seja, além das garotas mortas, os familiares que tiveram suas vidas destruídas para sempre. A violência entra na vida destas famílias como uma norma e impõe-se como tragédia. As micro-histórias de personagens comuns compostas em mosaico dramático vinculam-se à história universal. Ao mesmo tempo em que silenciam, escancaram a perversidade da cultura patriarcal.
Selva Almada nasceu em Villa Elisa, Entre Ríos, 5 de abril de 1973, e começou a escrever poesia, conto e novela e surgiu na ficção em 2014, com o livro de crônicas Garotas mortas. Os primeiros elogios da crítica aconteceram em 2012, com a publicação da primeira novela, O Vento que Arrasa. Até 2017, publicou 9 obras entre poesia, contos, novela e crônicas.
GAROTAS MORTAS | Selva Almada
Editora: todavia;
Tradução: Sérgio Molina;
Tamanho: 128 págs.;
Lançamento: Maio, 2018.