Quem é do jornalismo sabe que Eliane Brum dispensa apresentações. Trata-se de uma das profissionais mais premiadas da profissão, com uma obra sólida e extensa que transita entre as reportagens, ficção e documentário. Mais recentemente, ela fundou – ao lado do companheiro, Jonathan Watts, que também é editor global de Meio Ambiente do jornal The Guardian – a plataforma Sumaúma, portal jornalístico que cobre assuntos ligados à Amazônia, com foco sobretudo nas denúncias da exploração da floresta.
Mas quem já teve a sorte de conhecê-la pessoalmente sabe bem que Eliane é uma entrevistadora nata. É daquelas pessoas com rara capacidade de se entregar à escuta do outro de corpo inteiro, sem julgamentos. Em tempos nos quais a atenção é um bem cada vez mais escasso, Eliane Brum configura como uma peça rara. E é sempre encantador vê-la trocar de papel: quando, de entrevistadora, ela passa ao lugar de entrevistada.
Almoço: Uma Conversa com Eliane Brum (Arquipélago, 2022), do jornalista e quadrinista gaúcho Pablito Aguiar, é bem mais que uma entrevista. O livro em quadrinhos de 80 páginas traz ao leitor a experiência única de um encontro com Eliane em sua casa, em Altamira, no Pará. Não se trata meramente uma entrevista, pois testemunhamos não um momento formal de perguntas e respostas entre duas pessoas, mas sim a execução de um ritual importantíssimo para Eliane Brum: o processo de fazer seu famoso feijão.
Pablito, portanto, trabalha em seus quadrinhos como se eles substituíssem os seus olhos. Em Almoço, nos sentimos do lado da grande repórter enquanto ela fala sobre aspectos cotidianos da sua vida até chegar em uma elucubração sobre as suas visões sobre o jornalismo. Todos os momentos narrados são intercalados pelas cenas em que vemos as pequenezas do dia a dia em que Eliane – usando chinelos, de cabelo preso e uma camiseta com estampa de Frida Kahlo – corta, em um processo quase religioso, tudo o que vai entrar no seu feijão: alho, cebola, pimenta de cheiro, louro e cominho.
Pablito é dono de um traço mais minimalista, com ares que remetem um pouco à ilustração infantil, o que dá ao livro uma sensação de intensa proximidade com a cena que ali está sendo narrada. Ao mesmo tempo, Almoço: Uma Conversa com Eliane Brum lhe dá as chances de explorar os cenários verdejantes da Floresta Amazônica e a casa com as “cores de Frida Kahlo” de Eliane e Jon, embora ela ainda esteja sob construção.
Momentos de silêncio e escuta
Pablito Aguiar trabalha em seus quadrinhos como se eles substituíssem os seus olhos.
Ao mesmo tempo em que se apresenta como uma espécie de monólogo de Eliane (uma vez que seu interlocutor, Pablito, não está colocado nas páginas), Almoço também consegue levar ao leitor uma experiência de quietude. Em meio aos balões de fala, há momentos de silêncio, saídos dos quadrinhos em que há apenas foco nas matas e nos animais da floresta, e episódios de uma “escuta silenciosa”, em que tudo o que se ouve são os sons do ambiente – como a onomatopeia dos ingredientes sendo cortados.
O que a HQ nos entrega, ao fim de suas páginas, é uma sensação de ter passado por uma experiência rara, a de viajar até Altamira e poder estar no centro do mundo, do lado de uma mulher que dedicou sua vida a causas que deveriam interessar a todos. Alguém que ouviu muito e que adquiriu um poder de transformação por meio das palavras.
Na contracapa, a cartunista Laerte (que foi tema do documentário Laerte-se, dirigido por Eliane Brum), escreve: “a Eliane diz que se transforma com cada entrevista que faz; ela já me entrevistou e digo que não saí a mesma pessoa. Ela produz movimento”. Em Almoço, ela encontra em Pablito Aguiar um quadrinista igualmente empático, que consegue fundir texto e desenho a uma poesia viva sobre um encontro inesquecível não apenas para os dois, mas para nós, leitores.
Almoço: Uma Conversa com Eliane Brum | Pablito Aguiar
Editora: Arquipélago;
Tamanho: 80 págs.;
Lançamento: Novembro, 2022.
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