Por muito tempo, a noção de literatura fantástica permaneceu difusa e pouco abordada pela crítica, e a ampla abrangência do termo dificultou a criação de classificações específicas que fossem de fácil compreensão. Foi com o objetivo de elucidar essas questões que o célebre crítico búlgaro Tzvetan Todorov publicou, em 1970, uma de suas obras mais conhecidas: Introdução à literatura fantástica.
Nessa análise, Todorov propõe respostas a diversos questionamentos: Quais obras se encaixam verdadeiramente no conceito de fantástico? Que tipo de narrativa apenas se utiliza de conceitos sobrenaturais sem ser, de fato, literatura fantástica? Como relacionar, em uma mesma categoria, o realismo mágico de García Márquez ao conto gótico de Poe –– se é que é possível?
Embora seja passível de diversas críticas, em especial devido aos desenvolvimentos das décadas seguintes à sua publicação, a análise de Todorov fornece uma base inicial sólida para essas e muitas outras discussões.
A análise de Todorov
O fantástico, explica o autor de início, é um nome dado a um determinado gênero literário. Em seguida, Todorov adentra o cerne da questão: Como definir o que é literatura fantástica e o que não é? Quais são as características fundamentais compartilhadas por todas – ou pelo maior número possível – de obras consideradas fantásticas?
Para que o fantástico seja uma categoria compreensível, Todorov estipula três condições. A primeira é que a narrativa deve suscitar uma hesitação, por parte do receptor entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural para os acontecimentos narrados.
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Para Todorov, é precisamente nesse momento de hesitação que reside a essência do fantástico: no limiar tênue e oscilante entre o lógico e o ilógico, o natural e o sobrenatural, o real e o imaginário.
A segunda condição ocorre quando a hesitação do leitor é igualmente experimentada por uma personagem, normalmente a protagonista. Desta forma, o papel do leitor se confunde com o de uma ou mais personagens, que compartilham a experiência de excitação e oscilam pendularmente entre o possível e o impossível.
Por fim, a terceira e última condição imposta por Todorov é uma exigência para o receptor, que adquire, em sua teoria do fantástico, um papel central na construção do efeito essencial do gênero. Para que ocorra o efeito de hesitação, é crucial que o leitor adote uma determinada atitude em relação à forma de leitura e interpretação do texto. É preciso, portanto, que o receptor não adote a interpretação alegórica dos eventos narrados (não deve vê-los como acontecimentos meramente metafóricos ou ilustrativos), assim como deve evitar uma interpretação poética do texto.
Introdução à literatura fantástica é ainda um trabalho teórico de grande valor e que merece ser lido por todos aqueles que se interessam pelo tema.
Ainda, uma vez quebrada a hesitação central ao seu conceito de fantástico, o autor propõe a existência de duas categorias subsequentes: o estranho (l’étrange) e o maravilhoso (le merveilleux). Enquanto o estranho é caracterizado pela resposta explícita de uma personagem (como medo ou revolta) diante do inexplicável, o maravilhoso não requer uma resposta por parte das personagens, apenas que o evento fantástico ocorra e suscite a hesitação no leitor. Em suma, é na fronteira entre o estranho e o maravilhoso que reside o fantástico.
O fantástico hoje
A análise de Todorov, publicada no início da década de 1970, é uma ferramenta útil para a análise da literatura fantástica existente até então, em especial dos clássicos do gênero publicados em séculos anteriores. As narrativas de horror gótico e histórias como as reunidas em As Mil e Uma Noites, por exemplo, são interpretadas pelo autor sob essa ótica.
Porém, é fácil perceber que seu uso para a análise de obras que hoje consideramos fantásticas pode ser excessivamente redutor ou específico. Nas últimas décadas, a popularização da literatura de ficção especulativa (que inclui os gêneros da fantasia, do horror e da ficção científica) e sua crescente apreciação por partes da crítica especializada trouxe diversas obras que dificilmente se encaixariam nos conceitos estabelecidos por Todorov, mas nem por isso deixam de ser reconhecidas como narrativas fantásticas.
Portanto, estudar o fantástico atual segundo a caracterização de Todorov pode ser uma abordagem limitada quando se trata de obras posteriores à sua publicação, mas Introdução à literatura fantástica é ainda um trabalho teórico de grande valor e que merece ser lido por todos aqueles que se interessam pelo tema.
INTRODUÇÃO À LITERATURA FANTÁSTICA | Tzvetan Todorov
Editora: Perspectiva;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Junho, 1975.
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