Na psicologia, o luto é o momento de ressignificação do outro e da própria vida, representando uma ruptura e também a quebra de expectativas. A perda e a memória familiar da ausência são a força-motriz de Luto (editora Mundaréu, 2018; tradução de Lui Fagundes), novela do escritor guatemalteco Eduardo Halfon, que investiga a morte de Salomón, tio paterno que faleceu afogado ainda criança. Enquanto busca conhecer quem foi o irmão do pai, o autor vai traçando uma linha entre a realidade e o imaginário que paira sobre a história, estabelecendo um jogo de espelhos memorialístico.
O escritor constrói a sua narrativa com firmeza e sem se perder nos tentadores labirintos do inconsciente. A morte trágica de Salomón está para Halfon como a relação com o pai está para Kafka. O afogamento é o evento que move toda a família, guia as lembranças e dá o tom das relações.
À medida em que as nuances ficam tênues, Luto vai ganhando corpo e se configurando como um desejo catártico de se libertar do passado. “Eu não planejei o livro”, disse em entrevista, “eu simplesmente escrevi a primeira frase e não consegui parar.” Por isso, pouco a pouco o protagonista vai caminhado para fora do círculo familiar, buscando as relações secundárias que talvez possam relevar um olhar menos viciado e enviesado.
Eduardo Halfon consegue criar uma perspectiva sobre uma questão extremamente universal sem cair nos apelos piegas e manjados.
Halfon não prepara o leitor para revelações ou constatações: elas aparecem como uma assombração à porta, uma espécie de mal necessário. E qualquer coisa diferente disso soaria estranho ou contraproducente.
Diáspora
É interessante pensar que Luto finca os pés do escritor em terra firme. Halfon é um sujeito nômade – nasceu na Cidade da Guatemala, morou na Europa, em Nova York, agora vive em Nebraska – e mistura a origem judia à confluência de caminhos tomados pela família no curso dos anos. “A crítica e os leitores normalmente dizem que meu grande tema é a identidade, e não é que o tenha proposto. No fundo, é um tema bastante judio o cosmopolitismo e a permanente diáspora que herdei e na qual fui educado”, disse.
Luto não explora um terreno inédito na literatura. Julian Barnes explorou as memórias da esposa falecida em Altos voos e quedas livres, Boris Fausto escrutinou a morte da mulher em O Brilho do Bronze e André Gorz fez de Carta a D. o mais belo dos libelos sobre a perda. Ainda assim, Eduardo Halfon consegue criar uma perspectiva sobre uma questão extremamente universal sem cair nos apelos piegas e manjados. Luto, em certa medida, expande a lição deixada por Cazuza em seu “Blues da piedade”: somos todos iguais em desgraça. O que nos diferencia é justamente o que fazemos dela. E Eduardo Halfon a transforma em Arte.
LUTO | Eduardo Halfon
Editora: Mundaréu;
Tradução: Lui Fagundes;
Tamanho: 96 págs.;
Lançamento: Março, 2018.