Polonês de nascimento, ucraniano por uma questão geopolítica e novaiorquino por opção, Louis Begley exerceu a advocacia até 2007, ano em que se aposentou. Mas é de longa data sua relação com a literatura, esta que lhe rendeu, entre outros prêmios, um PEN/Hemingway por Infância de Mentira (Companhia das Letras, 1992). Anos mais tarde, lançou a série sobre Schmidt, sendo que o primeiro deles, Sobre Schmidt (Companhia das Letras, 1999) foi adaptado para o cinema (As Confissões de Schmidt), com Jack Nicholson no papel de Warren Schmidt.
Seus lançamentos são sempre aguardados com entusiasmo, e não foi diferente com Memórias de um Casamento, lançado no final de fevereiro deste ano, com tradução de Rubens Figueiredo. Crítico sagaz do sistema de classes da sociedade norte-americana, Begley mergulha a fundo nas minúcias da alta classe novaiorquina, sendo uma espécie de lupa sobre os privilégios e visões de mundo de seus integrantes.
Memórias de um Casamento segue a rotina do octagenário Philip, um homem que vive o luto pela perda de sua esposa e de sua filha. Escritor, Philip leva os dias na tranquilidade de sua rotina “simples”. Em um destes passeios, ele reencontra Lucy de Bourgh, herdeira de uma família nobre e tradicional dos Estados Unidos.
O personagem construído por Begley segue à risca a essência (ou estereótipo, se preferir) dos escritores. Ele não tem o mínimo interesse em retomar o contato e o convívio com Lucy. Ainda que tenha sido uma linda mulher e que ele tenha sido seduzido por seus encantos, algo nela o desagrada. Quase que obrigado pela própria Lucy, Philip acaba cedendo e faz alguns encontros com ela, e é no desenrolar das conversas que ocorrem nestes jantares, cafés e idas aos clubes que ele passa a ficar interessado pelos detalhes de sua vida, sobre o passado dela com Thomas Snow, um economista de origem humilde com que foi casada.
Begley tem uma escrita estonteante. O autor cria uma trama que por mais simples que possa parecer, é carregada de particularidades.
Begley tem uma escrita estonteante. O autor cria uma trama que por mais simples que possa parecer, é carregada de particularidades. Ele abre portas de um universo que para muitos de nós não passa de fotos na Caras ou nas colunas sociais e faz isso sem recorrer a clichês ou senso comum. Nem mesmo seu olhar crítico a essa alta sociedade contamina sua narrativa. Contribui para isso que uma parcela das informações que recebemos vem da personagem a quem supostamente deveríamos criar antipatia. Algo semelhante ocorre quando Philip assume as rédeas do livro.
O leitor desavisado pode vir a pensar: “mas qual a novidade em falar sobre como gente rica é tão esfacelada quanto nós, meros mortais?”. E é aí que entra a beleza da pena de Louis Begley. Ele está menos interessado em jogar no ventilador as falhas de caráter ou as relações escusas que tornam estas pessoas ricas, e mais fixado em desconstruir a imagem quase mitológica desse universo multimilionário. Os amores, ódios, ganâncias e cretinices estão lá, é claro, mas são objeto de interesse paralelo do escritor, que parece fixado no descobrir a verdade, a face oculta da lua.
Você amará e terá raiva de Lucy sem nem se dar conta que os sentimentos em relação a ela mudaram. Talvez também sinta inveja, vai saber. A questão é que ficará maravilhado com a possibilidade de ver essa combinação de instintos, preconceitos, olhares e perspectivas sobre essa grande personagem feminina.
Em tempo: em entrevista ao jornal Folha de São Paulo em 1994, Begley falou sobre seu processo de criação. “Em geral consiste em levantar da cama, tomar café, sentar, começar a escrever. (…) Depois almoço, vou andar, às vezes durmo um pouco, depois releio o que escrevi, e aí reescrevo mudando completamente”. Manso e “sintético”, como Philip de Memórias de um Casamento.
MEMÓRIAS DE UM CASAMENTO | Louis Begley
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Rubens Figueiredo;
Tamanho: 200 págs.;
Lançamento: Fevereiro, 2016.