Quem já tem idade suficiente para recordar de 1998, certamente lembra do estrondo que foi o surgimento fenomenal de Britney Spears, uma americana de 17 anos que explodiu nas paradas de sucesso. Vestida de colegial sexy, ela aparecia dançando em um videoclipe no qual cantava dentro de um colégio, com sua voz irritantemente doce e anasalada, uma música de duplo sentido chamada “Baby One More Time”.
Britney foi prontamente decodificada como um produto musical pasteurizado que vendia, além da música, uma sexualidade precoce. Angariou pelo mundo milhares de fãs apaixonados na mesma medida em que foi motivo de chacota. Toda a mídia a perseguia e queria saber sobre sua virgindade, sobre seu corpo – enfim, sobre todo o tipo de entretenimento abusivo que pudesse ser tirado dela.
Mais de vinte anos depois desse acontecimento inicial, Britney Spears já é uma mulher na casa dos quarenta anos e que se tornou um símbolo de tudo de pior que a indústria da mídia é capaz de causar na vida de uma celebridade. E é a sua história de glória e sofrimento que ela narra em A Mulher em Mim (editora Buzz, 2023; tradução de finalmente a cantora pode se libertar da tutela obtida por 13 anos pelo pai, que controlava não apenas a sua carreira, mas toda a sua vida (envolvendo, por exemplo, seu direito de retirar o DIU que carregava no útero, possibilitando que pudesse engravidar).
), seu muito esperado livro de memórias, que só foi possível ser produzido porque, em 2021,Com narrativa simples e fluida, sem qualquer pretensão literária, A Mulher em Mim consegue se apresentar com um depoimento franco, ainda que limitado pela própria versão da vítima. Isso, obviamente, não é um problema, uma vez que Britney passou longos anos sem ter o direito de se manifestar publicamente sobre a sua vida. Por outro lado, o leitor com interesses mais jornalísticos em sua história sentirá falta dos contrapontos àquilo que ela conta.
Uma infância de abusos familiares
Nascida e criada na Louisiana, Britney é filha de Jamie e Lynne Spears, que criaram os filhos em um lar de vida simples, mas num contexto atribulado. Britney narra seu pai como um alcoólatra que não se acertava com nada na vida e que sumia eventualmente, deixando a mãe sozinha com os filhos. Sempre espevitada e atlética (seu apelido era “baixinha petulante”), ela foi crescendo e se envolvendo com o cenário musical. Depois de várias apresentações meio fracassadas em shoppings americanos e uma participação em um programa da Disney, ela estoura mundialmente com o disco …Baby One More Time, lançado em 1999. O resto é história.
Todos os seus passos desde então alimentaram a indústria das fofocas. Vale lembrar que Britney parecia uma personagem perfeitamente estruturada para sofrer esse tipo de carnificina: sua história envolve um casamento bêbada em Las Vegas, outro casamento com um rapper sem expressão, com o qual teve dois filhos, um namoro com o astro em ascensão Justin Timberlake e muitas cenas de explosão em público (na mais icônica, ela está careca e destrói o carro de um paparazzi com um guarda-chuva).
Pode não ser uma biografia brilhante e inspirada, mas certamente A Mulher em Mim prima pela sensação de honestidade e pelo prazer em que há em sentir Britney Spears finalmente retomando a sua voz.
Dentre os fatos mais chocantes contados no livro, está o fato de que Britney engravidou de Justin, mas foi convencida por ele a abortar. Segundo narra, ela tomou remédios em casa e começou a ter contrações excruciantes, mas o namorado e sua assessora não quiseram levá-la a um hospital. Por fim, Justin resolveu sentar e tocar música do seu lado para distrai-la da dor.
Traída pelo namorado, Britney conta que passou a ser retratada na mídia como uma traidora que abandonou o “queridinho” da América – que faturava muito com um álbum e um clipe em que aparecia como vítima. A música “Cry Me A River” o pintava como um homem apaixonado que foi passado para trás. Segundo a cantora, enquanto ele pode aproveitar a vida ao lado de muitas mulheres, ela era constantemente escrutinada e chamada de vadia pela imprensa.
Mas a maior bizarrice de toda a sua história é que, mesmo sendo multimilionária, ela teve que entrar em um cárcere privado por determinação da própria família. Em 2008, após uma série de eventos, Britney passou a ser tutelada judicialmente pelo pai. Mesmo sendo responsável pela construção de um patrimônio bilionário, que passou a sustentar toda a sua família, ela foi considerada inapta a cuidar de si mesma. E o pior de tudo: ela perdeu a guarda de seus dois filhos.
Questões de saúde mental
A última parte de A Mulher em Mim é a mais escandalosa, pois nela Britney conta detalhes destes 13 anos tutelada pelo pai e controlada por toda a sua família. Dentre os fatos mais chocantes, estão múltiplas internações em clínicas para usuários de drogas (problema que, segundo ela, nunca teve) e diversas arbitrariedades que soam chocantes. Ela revela ter sido obrigada a cumprir turnês que não queria mais participar, ao mesmo tempo em que recebia apenas uma espécie de mesada de 2 mil dólares.
É tudo muito impactante, e que quebra a ideia de que grandes celebridades tenham gerência sobre suas vidas. Por vezes, suas impressões sobre a própria personalidade parecem pouco críveis de tão absurdas (como quando descreve ataques de raiva que, supostamente, seriam totalmente justificados pelos abusos que sofria), ou causam o desejo de que houvesse entrevistados para corroborar a sua leitura da realidade.
Para os fãs de Britney, o livro tem um atrativo a mais, que são as várias considerações divertidas sobre momentos de sua vida (como a produção de seus discos e suas participações icônicas no VMAs), bem como comentários sobre outras celebridades, como Madonna – que, segundo ela conta, funcionou como uma espécie de mentora em sua carreira, ensinando-a a exigir o que deseja – Elton John e Colin Farrell, com quem teve um caso.
Pode não ser uma biografia brilhante e inspirada, mas certamente A Mulher em Mim prima pela sensação de honestidade e pelo prazer em que há em sentir Britney Spears finalmente retomando a sua voz.
A MULHER EM MIM | Britney Spears
Editora: Buzz;
Tradução: ;
Tamanho: 280 págs.;
Lançamento: Outubro, 2023.
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