Grande nome da literatura francesa e mundial, François Mauriac teve uma de suas grandes obras reeditada no Brasil pelo selo José Olympio, da editora Record: O Deserto do Amor. Poeta, crítica e colunista de publicações expressivas, como o jornal Le Fígaro e a revista L’Express, escreveu muitas obras de forte cunho crítico, inclusive um ensaio que, posteriormente, levou a França considerar o fim da pena de morte após a Segunda Guerra Mundial – ainda que isso só tenha acontecido no início da década de 1980.
Laureado com o Nobel de Literatura em 1952, imprimiu em suas obras, e O Deserto do Amor talvez seja uma das poucas que fuja à regra, o conflito entre amor, fé e pecado. Isto lhe rendeu o título de maior representante do romance psicológico na França. Publicado originalmente em 1925, O Deserto do Amor é a principal obra de François Mauriac. Com extremo e irresistível cuidado e preocupação, Mauriac registra o tormento emocional que toma conta de pai, filho e da mulher que ambos amam – ou por quem, como transparece em diversos momentos da narrativa, possuem fixação.
Dr. Courrèges vê em Maria Cross, a amante de outro homem, a personificação do amor que nunca encontrou verdadeiramente em seu seio familiar. Ele vive a esconder esse fogo ardente na atenção que lhe dedica enquanto seu médico, mas vive a eterna frustração de notar que, da parte de Maria Cross, o que resta é apenas admiração e respeito, como se o Dr. Courrèges fosse o seu “guia espiritual”.
Ao estabelecer esse diagrama de desejo, ciúme e expiação de forma tão sutil e precisa, Mauriac tangenciou o que era a grande marca de sua obra: a fé e o catolicismo.
Concomitantemente, Raymond, filho do doutor de apenas dezoito anos, emerge de uma adolescência em que a tônica foi a timidez, a autodepreciação e a malcriadez, ao que Mauriac parece apontar a ausência de relação entre pai e filho como causa. Raymond encontra em Maria seu primeiro flerte, a primeira mulher que parece lhe destinar alguma atenção, ainda que isso seja fruto, apenas, de alguns olhares trocados no bonde. Mas a futura rejeição que sofrerá de Maria Cross será fundamental para sua vida, o ponto em que o jovem garoto nota que sua inocência havia sido corrompida.
O que François Mauriac fez com O Deserto do Amor foi construir uma espécie de estudo sobre o ciúme, usando para isso os o trio composto por pai, filho e Maria Cross. Mauriac faz questão de descrever minuciosamente os perfis de seus protagonistas, mas suas personalidades são moldadas pelas relações entre eles e menos pelo que são.
Ainda que o centro da trama de O Deserto do Amor seja os Courrège, é Maria Cross a determinante para o rumo dos personagens. A rejeição age no pai como uma amargura, algo que o lembra de sua velhice, enquanto no filho é determinante no estabelecimento de seu caráter e na forma como se relaciona com o amor – ainda que diga que a vingança, a destruição moral de Maria Cross, é seu seu maior desejo, ele não esquece aquela mulher.
O leitor certamente não sairá incólume desta obra, em que todos não se entendem e o resultado disto passa longe de ser cômico, mas sim trágico. Como um espelho da vida real, os personagens estão sempre atuando com uma falsa impressão do outro, criada sempre pelo olhar simplista que possuem, inclusive sobre o amor, apresentado sobre diferentes formas para cada um deles.
Curiosamente, ao estabelecer esse diagrama de desejo, ciúme e expiação de forma tão sutil e precisa, Mauriac tangenciou o que era a grande marca de sua obra: a fé e o catolicismo. E, para muitos, foi justamente o momento em que atingiu o ápice de sua literatura.
O DESERTO DO AMOR | François Mauriac
Editora: José Olympio;
Tradução: Rachel de Queiroz;
Tamanho: 182 págs.;
Lançamento: Junho, 2017 (atual edição).