Duas mulheres são encontradas mortas, afogadas com o próprio sangue. A polícia norueguesa não sabe exatamente o que aconteceu, mas parece que as mortes foram causadas por diversos ferimentos encontrados dentro da boca das vítimas. Quando um terceiro corpo surge, aumentam as suspeitas de que um serial killer está à solta e que as autoridades precisarão novamente da ajuda do detetive mais foda do país: Harry Hole.
O Leopardo, publicado pela editora Record com tradução de Grete Skevik, é o oitavo volume da série protagonizada pelo atormentado policial, mas não se preocupe, pois não é necessário ter lido todos os anteriores para conseguir entender esse aqui, uma fez que as tramas funcionam de forma razoavelmente independentes. Contudo, recomendo a leitura de pelo menos Boneco de Neve, o livro anterior, uma vez que o enredo se passa apenas 6 meses depois e há várias referências, que não chegam a ser fundamentais, mas com certeza tornam a experiência mais completa.
Harry Hole é o Hercule Poirot (famoso protagonista dos livros de Agatha Christie) de Jo Nesbø. Ambos são muito inteligentes e possuem uma capacidade de dedução impressionante (provavelmente aprenderam com o pai de todos, Sherlock Holmes), mas as semelhanças param por aí, pois Hole, um alcoólatra com eternas recaídas, está sujeito a falhas e possui uma elegância bem diferente da de Poirot. Fora que ele também não tem um bigode charmoso.
O que torna a obra de Jo Nesbø tão interessante, além dos cenários gelados e o capricho de sua prosa, é a forma como ele consegue humanizar o seu herói. O detetive está imbuído de sentimentos de honestidade e justiça, tal como nos grandes clássicos do gênero, mas ainda assim, como no poema do Leminski, a elegância de Harry Hole vem de sua dor. Seu passado é todo feito de feridas não cicatrizadas. Por causa disso, os livros não se reduzem à descoberta de “quem matou?”, já que há todo um caminho de trevas interior sempre a ser percorrido.
Não bastasse o abuso de álcool, Harry, que se bandeou para Hong Kong, agora decidiu se enfiar também no mundo as apostas e no uso de ópio. Sua fuga é interrompida não pelo convide para caçar mais um serial killer em sua terra natal, Oslo, mas sim pela informação de que seu pai está morrendo em um hospital da cidade.
O Leopardo, publicado pela editora Record com tradução de Grete Skevik, é o oitavo volume da série protagonizada pelo atormentado policial, mas não se preocupe, pois não é necessário ter lido todos os anteriores para conseguir entender esse aqui.
Com a ajuda de uma jovem policial chamada Kaja, Hole começa a estabelecer as conexões entre os assassinatos, ao mesmo tempo em que lida com o inferno em sua vida íntima e com os trambiques da polícia local. O sadismo do assassino, bastante detalhado, principalmente no início do livro, faz com que o livro ganhe contornos de história de terror, daquelas bem macabras. O trecho assustador que se passa numa piscina, por exemplo, é para Stephen King nenhum botar defeito.
A estrutura clássica da literatura policial também está lá: os detalhes das cenas dos crimes, as pistas, os interrogatórios, as deduções óbvias que fazem a gente se sentir meio burro, as reviravoltas, os ganchos de um capítulo para o outro etc. A linguagem bem lapidada que surge em alguns momentos mais dramáticos ou contemplativos, lembra o estilo de Georges Simenon, e há também uma homenagem interessante a O Silêncio dos Inocentes. Enfim, Jo Nesbø não reinventa a roda, mas consegue aperfeiçoá-la a cada livro.
O Leopardo é sobre a caça a um serial killer, mas é também um livro sobre a solidão. Após ver tantas atrocidades em sua vida, Harry se sente muito só e já não consegue mais encarar a existência de forma inocente, pois seu olhar está todo contaminado de niilismo: “Harry fixou o olhar na parte de trás da cabeça de Kaja. Como o Amazon de Bjørn Holm tinha sido fabricado muito antes de alguém inventar o termo trauma cervical, não havia encosto de cabeça, e com o cabelo dela em coque, Harry podia ver o pescoço fino, a penugem branca na sua pele, e meditou sobre a vulnerabilidade das coisas, sobre a rapidez com que tudo podia mudar, sobre tantas coisas que podiam ser destruídas em questão de segundos. Era isso a vida: um processo de destruição, uma desintegração de algo que a princípio era perfeito. O único suspense era se seríamos destruídos de repente ou lentamente. Era um pensamento triste, mas agarrou-se a ele mesmo assim”.
Este tom mais sombrio é substituído por uma amarga melancolia instaurada pela doença de seu pai, um homem com uma presença outrora tão forte e que agora desaparece aos poucos definhando em um leito de hospital, logo ali na sua frente, sem que nada possa ser feito.
Harry talvez seja capaz de encontrar o assassino mais procurado da nação, mas simplesmente não consegue encontrar dentro de si o perdão que o livraria de sua imensa culpa. Então ele segue tropeçando em suas memórias, andando assim meio de lado enquanto a neve cai. Um homem sombrio, um homem com uma dor.
O LEOPARDO | Jo Nesbø
Editora: Record;
Tradução: Grete Skevik;
Tamanho: 602 págs.;
Lançamento: Outubro, 2014.