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Haruki Murakami é considerado o mais ocidentalizado dos escritores japoneses do século XX. E há quem torça o nariz para ele. A observação não é um equívoco: Murakami é um às em preencher sua narrativa com discos de jazz, referências a autores norte-americanos e aos bares tipicamente britânicos, os pubs. Em uma comparação para lá de rasa, coloque lado a lado o bar de Kino, do conto homônimo, e o retrato traçado por Kazuo Ishiguro em O Artista do Mundo Flutuante. As diferenças são gritantes, entretanto, isso em nada tira a sua genialidade.
Ouça a Canção do Vento/Pinball, 1973 (Alfaguara, 264 páginas), os primeiros romances do escritor e que acabam de ser lançados em um único volume, já deixavam claro essa inclinação ao não-oriental. Comparados aos formidáveis Kafka à Beira-mar e O Incolor Tsukuru Tazaki e Seus Anos de Peregrinação, os livros são um retrato pálido de um romancista ainda em formação, é verdade. Mas há brilho. É possível perceber os elementos que se tornariam figuras-chave dali para frente em sua narrativa: personagens perdidos e sem identidade, gatos, obsessões literárias e musicais, cervejas e, claro, mulheres misteriosas que aparecem de repente e simplesmente se vão.
Vento/Pinball mostra um Haruki Murakami tão perdido quanto seus personagens. É como os alter egos de Woody Allen: todos são o diretor.
Em Ouça a Canção do Vento, livro que surgiu em um insight durante uma partida de baseball, Murakami narra a vida de um homem anônimo que tenta encontrar sentido na sua vida e refaz seu passado em um bar, enquanto toma cerveja com J, dono do lugar, e Rato – que aparecerá em Pinball, Caçando Carneiros e Dance Dance Dance – amigo e outsider, assim como narrador. Pinball, 1973 é uma espécie de continuação do primeiro, mas nem tudo parece coincidir, apesar de o protagonista também ter o mesmo círculo de amigos.
Se em Vento (como chamam nos EUA) a mulher misteriosa é uma garota sem o dedo mindinho, em Pinball são duas gêmeas que, literalmente, brotam e passam fazer parte do cotidiano daquele homem – que se divide entre o seu trabalho como tradutor e sua paixão pelas máquinas de pinball, em especial a Spaceship, da Gilbert & Sand. Aquele jogo é um rosebud, algo que liga o narrador aos seus dias mais felizes.
Allen japonês
Como em Vá, Coloque um Vigia, que põe o leitor em contato com o rascunho de O Sol é Para Todos, de Harper Lee, Vento/Pinball mostra um Haruki Murakami tão perdido quanto seus personagens. É como os alter egos de Woody Allen: todos são o diretor. Com o Murakami o processo é semelhante e o resultado é também magistral: acabamos nós, leitores, mergulhando naquele mundo tão particular.
E é impossível não se deixar levar.
OUÇA A CANÇÃO DO VENTO/PINBALL, 1973 | Haruki Murakami
Editora: Companhia das Letras;
Tamanho: 264 págs.;
Lançamento: Novembro, 2016.