O italiano Pier Paolo Pasolini (1922 – 1975) morreu por ser quem era: escritor, poeta, cineasta e, acima de tudo, polemista. Dono de opiniões controversas, Pasolini foi brutalmente assassinado em Ostia por, segundo a “história oficial”, um menino da vida. A opção mais acertada para a sua morte está, na verdade, nos debates políticos que provocava nas páginas dos jornais mais importantes da Itália e também em seus livros e filmes.
Conhecido no Brasil principalmente pelos seus trabalhos no cinema, como Teorema (1968) e Mamma Roma (1962), Pasolini ainda tem sua obra literária pouco explorada por aqui. Os romances Meninos da vida (1955), A Hora depois do sonho (1962) e o inconcluso Petróleo (1992) estão há décadas fora de catálogo. Mas a situação mais crítica, em termos de publicação, é a poesia de Pasolini que, somente 40 anos após sua morte, recebeu uma edição à altura de sua produção: Poemas (Cosac Naify), coletânea bilíngue organizada Afonso Berardinelli e Maurício Santana Dias.
Como confesso ex-católico, comunista e homossexual, Pasolini ardeu nas chamas de suas próprias escolhas e precisou se posicionar cada vez mais de forma radical para romper com o status quo e o Zeitgeist pós-facismo. E sua poesia reflete essa ruptura, chegando a escrever no dialeto fruilano de Casara, cidade em que nasceu sua mãe, para se colocar ao lado das pessoas do povo – que tanto retratou durante sua vida. Para o poeta, a Itália estava imersa em um lamaçal coordenado pela Igreja e pelo Estado, propagando valores conversadores e burgueses.
“Quanto estéril horror/urge se todo o corpo/que amava desde novo/pois seguro de amor”, diz a estrofe de “Anjo impuro”, uma crítica ao modus operandi do catolicismo que Pasolini acreditava massacrar o verdadeiro amor por meio da alienação religiosa. Ele acreditava que o mal do século estava no consumismo e na padronização da cultura. Por isso, se colocava como “força do passado” e elemento anacrônico.
A catarse de sua revolta com o governo italiano é o poema em prosa “Romance dos massacres”, um dos mais diretos e brutais escritos por Pasolini. “Eu sei os nomes dos responsáveis pelos massacres de Brescia e de Bolonha cometidos nos primeiros meses de 1974.” Esse era seu dever como intelectual, colocar-se a serviço do povo.
Pasolini nunca fugiu à estética da miséria, uma estética em que tudo é reduzido ao mínimo para expor ao máximo as falhas de um sistema social às raias de um colapso.
Estética da miséria
Pasolini era filho de um militar de carreira e de uma professora, e jamais escondeu seu passado pequeno-burguês – fazendo com que carregasse uma espécie de culpa por sua própria origem. Poemas traz à tona textos em que o escritor e cineasta se coloca à mercê de seus inimigos para lutar pelos mais fracos, como nos versos de “Villota” e “Versos finos como traços de chuva”, ambos tirados do livro La Nuova gioventú (1975), inspiraria a canção de mesmo nome da Legião Urbana quase duas décadas mais tarde.
Já no final da vida Pasolini se posicionava em uma vanguarda indistinta. Seu último longa-metragem, Salò ou 120 dias em Sodoma (1975), é ainda um dos mais polêmicos de todos os tempos. O filme funciona como uma alegoria à Itália afundada em uma segunda onda fascista. Já a sua poesia ficou marcada por trabalhos como “Os Jovens infelizes”, de Lettere luterane (1976), em que clama às novas gerações a se rebelarem por meio das artes e do conhecimento secular.
Pasolini nunca fugiu à estética da miséria, uma estética em que tudo é reduzido ao mínimo para expor ao máximo as falhas de um sistema social às raias de um colapso. E ter em mãos sua obra poética traduzida para o português reafirma a sua importância como pensador e homem das letras, tanto quanto como cineasta e romancista.
POEMAS | Pier Paolo Pasolini
Editora: Cosac & Naify;
Tradução: Maurício Santana Dias;
Tamanho: 320 págs.;
Lançamento: Setembro, 2015.