“Somos mais quando nos abrimos aos demais”. A frase do jesuíta P. Pedro Arrupe (1907 – 1991), provincial da Companhia de Jesus entre 1965 e 1983, parece se encaixar como uma luva para a missão que a congregação empreendeu no Japão durante o século XVII e que adaptada para a ficção por Shusaku Endo em Silêncio, publicado originalmente em 1963. Inspirado em fatos reais, o livro narra a saga de Cristóvão Ferreira, que vai às terras nipônicas para espalhar a fé católica por meio do pensamento jesuítico. Para tentar salvá-lo do suplício, a igreja envia P. Sebastião Rodrigues.
Endo recria um momento seminal para a expansão do cristianismo na Ásia, justamente um período em que os cristãos precisavam esconder sua religião ou seriam brutalmente dizimados – em sessões pouco misericordiosas de tortura e assassinato. O romance, que combina o caráter epistolar à narrativa linear, é uma profissão de fé do escritor, que nunca conseguiu esconder seu fervor católico. Graças a isso, é considerado por muitos o Graham Greene japonês. Cada detalhe da obra parece criado como um diamante – lapidado obstinadamente e com um único objetivo.
À parte de suas preferências religiosas, Endo faz de P. Ferreira um mártir, um homem que padeceu por seus ideais e precisa ser resgatado e levado de volta à Europa. Silêncio percorre os caminhos que os sacerdotes trilharam para encontrar o amigo. Ainda que o texto esbarre em algumas burocracias narrativas, impostas pelo tema e recorte histórico, Shusaku é sábio ao criar um reflexo interessante da luta do império japonês contra a ocidentalização.
No final, o que se vê é um trabalho de criação único e interessante, sem ser panfletário.
Rodrigues simboliza o idealismo e a pureza, ao passo que P. Ferreira carrega o conformismo e a consternação. A trama de Endo se sustenta nessas duas imagens antagônicas, mas justificáveis de acordo com a situação. Como Haruki Murakami, escritor japonês mais popular em nossos dias, o autor de Silêncio não é tão oriental quanto manda a etiqueta literária, deixando às claras suas influências do “novo mundo”. Não que isso faça diferença, entretanto, causa certo espanto ao levarmos em conta o quanto isso é importante por lá.
Criação
Silêncio foi um projeto pessoal de Endo, consumindo horas de pesquisa, escrita e reescrita. O empenho foi a chave para a fascinação de outro sujeito entusiasmado pelo cristianismo: Martin Scorsese, que transformou o livro em uma película homônima. Ambos têm em comum a devoção por Jesus Cristo e o desejo de torná-lo Arte, isso mesmo, com “a” maiúsculo. Em certa medida, os dois conseguiram.
Shusaku Endo mantém o ar poético da situação – conversão, martírio – e Scorsese explora o flagelo físico e mental, colocando em evidência a violência e a dor, características que fazem parte de seu bestiário. No final, o que se vê – nas duas peças – é um trabalho de criação único e interessante, sem ser panfletário.
SILÊNCIO | Shusaku Endo
Editora: Planeta/Tusquets;
Tradução: Mário Vilela;
Tamanho: 272 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2017.