O livro Stoner (Rádio Londres) quase passou em branco quando foi publicado pela primeira vez, em 1965, nos Estados Unidos. Quatro décadas teriam de passar para que o livro recebesse a atenção merecida. Aí, já era 2003 e John Williams (1922 – 1994), o autor, já estava morto há quase 10 anos. Ainda assim, Stoner está na lista dos favoritos de gente importante: Ian McEwan, Nick Hornby, Julian Barnes e Geoff Dyer não poupam elogios ao livro. Algo muito parecido com o que aconteceu quando Lou Reed (1942 – 2013) e sua trupe lançaram o emblemático Velvet Underground & Nico (1967): ninguém deu muito bola, mas quem ouviu formou a sua própria banda. Com o livro de Williams não parece muito diferente.
A vida de William Stoner tinha tudo para ser um caso banal de um homem que driblou o seu próprio destino, não fosse a narrativa elegante e bem construída de Williams. O acaso que livrou Stoner de ser, assim como seus pais, um agricultor e o colocou dentro de uma universidade é só uma ponta que arrasta o leitor para dentro de um livro furioso e complexo. Inicialmente, o jovem cursaria Ciências Agrárias, mas ele se distancia daquele meio e cai nas redes da literatura, trocando um curso pelo outro.
Aos poucos, William Stoner cria uma relação de estranheza com os pais, como se fossem apenas meros conhecidos, colegas de fila de pão. A esposa, Edith, é uma mulher fria e pouco afetuosa, que se casou com Stoner para se livrar de uma vida monótona. No final, ela acaba se rendendo ao tédio de estar casada com um homem a quem não ama. A filha, Grace, é negligenciada e encomenda uma gravidez para poder deixar a casa dos pais. O trabalho na universidade também não rende ao protagonista grandes alegrias, ele se vê enfurnado em aulas que já não suporta e precisa lidar com as intrigas de outros professores.
Stoner é um livro sobre as burocracias da vida, as convenções e as necessidades impostas pela própria natureza humana. Williams constrói um personagem niilista, mas sua descrença é sintomática e vai aparecendo do decorrer da história, sempre de forma indireta. Stoner não chega a ser um discípulo de Bazárov, de Turguêniev (1818 – 1883), mas também não é o que se possa chamar de otimista.
Moral da história
O livro é sutil e talhado minuciosamente, por alguém sabedor do que estava fazendo. Stoner permanece grande e necessário, em uma beleza inigualável.
Williams joga com a percepção do leitor. Quando Edith chama o marido de Willy, não está sendo carinhosa, ao contrário, está promovendo uma humilhação em praça pública ao infantilizá-lo, tratá-lo como uma criança mimada. E Stoner chega a um ponto da vida em que não vale a pena se debater em consternação, apenas tampa os ouvidos para se afastar daquele inferno.
O escritor – que, assim como sua cria, foi professor universitário – não pretendia fazer de Stoner um herói. E não o fez. O caso que manteve com uma aluna, vinte anos mais nova, é a prova de que Stoner é um homem com fraquezas, deslizes morais e já afastado totalmente do seu próprio passado na fazenda dos pais. Nem mesmo quando morre é lembrado dignamente: os sobreviventes a ele doam um manuscrito medieval à biblioteca em sua memória.
A questão é que a relíquia nada tem a ver com o defunto. Não passa de uma homenagem egoísta. O livro é sutil e talhado minuciosamente, por alguém sabedor do que estava fazendo. Stoner permanece grande e necessário, em uma beleza inigualável.
STONER | John Williams
Editora: Arte & Letra;
Tradução: Lucas Lazzaretti;
Tamanho: 300 págs.;
Lançamento: Novembro, 2023 (nova tradução).
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