O universo matemático e seus enigmas tem estimulado grandes escritores a produzir obras que tenham esses problemas peculiares como temas. Obras de cunho de literário têm surgido e agradado inúmeros leitores não-especializados no mundo dos números. Escrever esse tipo de romance, que trata de assuntos que somente iniciados podem compreender de forma mais profunda, é um desafio para qualquer escritor que preze pela qualidade de sua obra.
O brasileiro Malba Taha, pseudônimo de Júlio César de Melo e Sousa, que tem conseguido compor obras ilustrativas e didáticas sem enfado, é um bom exemplo, em nossa literatura, de escritor que consegue conciliar qualidade literária com informações matemáticas de forma competente, como atesta seu livro O homem que sabia contar. A ciência cada vez mais é tema de obras literárias. Um dos grandes romances que tem a matemática como temática principal é o Tio Petros e a Conjectura de Goldbach, do grego Apostolos Doxiadis.
A Conjectura de Goldbach é, junto com o Teorema de Fermat (que já foi solucionado Andrew Wiles), Conjectura de Hodge, Conjectura de Poincaré (solucionado por Grigori Perelman), Hipótese de Riemann, Existência de Yang-Mills e intervalo de massa, Existência e suavidade de Navier-Stokes, Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer (tantos e tantos problemas!), um dos grandes enigmas matemáticos que já foram criados. E, como todo enigma, seu fascínio e encantamento são gigantes. Muitos se aproximam na tentativa de desvendá-los. Ainda tantos outros, da forma bem peculiar e inerente aos matemáticos, tornam-se obsessivos a ponto de anular tudo na vida para se dedicar exclusivamente à resolução do problema. É tendo essa obsessão como mote, que Doxiadis monta seu enredo.
A narrativa vem ao leitor em primeira pessoa, feita pelo sobrinho que observa a figura do tio com certa estranheza, pois ele é acusado pelo restante da família de ser um derrotado e fracassado. Petros é uma figura distante, que vive longe do convívio social, imerso na jardinagem e no xadrez. Seu sobrinho o visita com constância, mas sem obter grandes e novas informações. Cada vez mais encantado com os mistérios que rondam o desconhecido passado de seu tio, depois de conviver e tentar quebrar a espessa barreira que Petros construiu em torno de si, o sobrinho acaba por ir descobrindo que no passado o tio foi um grande matemático, respeitado e idolatrado por sua exímia inteligência e maestria em solucionar problemas.
Apostolos Doxiadis é arrebatador, expele informações históricas e técnicas elaboradas da área da matemática.
Ao se debruçar cada vez mais sobre o passado de seu tio genial, o sobrinho resolve também ser matemático, o que é logo rebatido por Petros. Diante da insistência do sobrinho na ideia de querer tornar-se como ele, Petros lhe propõe uma conjectura para ser resolvida durante as férias. Caso seja solucionada, o sobrinho pode formar-se matemático com, inclusive, o apoio de Petros. Se não resolvê-lo, devia abandonar a ideia de forma definitiva. Previsivelmente, o sobrinho não resolve o problema e o tio o obriga a esquecer da ideia. A história desdobra-se ainda em outras interessantes cenas, até que, então, o sobrinho, já adulto, retorna ao convívio com o tio, que está cada vez mais distante de todos. Esse é o momento chave em que Petros é visto de mais perto, tanto pelo leitor quanto pelo sobrinho.
Apostolos Doxiadis é arrebatador, expele informações históricas e técnicas elaboradas da área da matemática – afinal, ele, como uma espécie de Petros, também foi um gênio da matemática, ao ponto de ser aceito na Universidade de Colombia aos 15 anos, após apresentar um original trabalho matemático – sem ser enfadonho em momento algum. Sua opção pela narrativa em primeira pessoa foi uma saída inteligente para conseguir a simpatia do leitor pela trama.
O livro tem as boas qualidades de um grande romance. Não peca na construção complexa de seus personagens, não falha na ligação das pontas narrativas da trama, não desliza no desenrolar da história. Uma apaixonante leitura e introdução ao fascinante mundo dos números.
TIO PETROS E A CONJECTURA DE GOLDBACH | Apostolos Doxiadis
Editora: Editora 34;
Tradução: Cristiane Gomes de Riba;
Tamanho: 168 págs.;
Lançamento: Julho, 2013 (2ª edição).