Poucos livros publicados recentemente no Brasil alcançaram o status quase mítico que Tudo É Rio conquistou entre leitores. Lançado em 2014, o romance de estreia de Carla Madeira teve uma trajetória singular: chegou devagar, como um sussurro, e aos poucos foi crescendo pelo boca a boca, dominando clubes de leitura, listas de mais vendidos e, sobretudo, as redes sociais. Hoje, é praticamente um fenômeno. Mas, curiosamente, nem todo mundo se rende à intensidade lírica e emocional do livro. A crítica — especialmente a mais voltada à análise literária formal — parece menos entusiasmada. Por que isso acontece?
A resposta talvez esteja naquilo que separa a experiência estética do leitor comum da abordagem analítica da crítica literária. Tudo É Rio é, antes de tudo, uma história visceral. Seus personagens — Dalva, Venâncio e Lucy — se movem entre o desejo, a dor, o perdão e o arrebatamento. A linguagem de Carla Madeira é carregada de metáforas e imagens fortes, evocando a fluidez do rio que dá título ao romance. Para muita gente, trata-se de um livro que provoca catarse. E talvez por isso mesmo seja tão amado: porque atinge diretamente as emoções, como uma canção popular que fala sobre sentimentos universais.

Mas aí está o ponto de tensão. Parte da crítica vê em Tudo É Rio um exagero sentimental, uma prosa que flerta com o melodrama e com uma estetização da dor que pode parecer artificial. Há quem aponte que Tudo É Rio tem trama com estilo de folhetim e certo tempero de fábula, criticando a pouca densidade psicológica dos personagens e o caráter trivial da narrativa, que recorre a clichês como recados abruptos, maldições familiares e triangulações amorosas.
Há também quem questione a linguagem. Apontam que o estilo de Carla Madeira — lírico, metafórico, carregado de imagens — corre o risco de soar rebuscado ou mesmo kitsch.
Parte da crítica vê em Tudo É Rio um exagero sentimental, uma prosa que flerta com o melodrama e com uma estetização da dor que pode parecer artificial.
Por outro lado, é inegável que Tudo É Rio oferece algo raro: acesso imediato à experiência do trágico. Carla Madeira não tem pudor de falar de ciúme, traição, maternidade, sexo, culpa. E faz isso com uma entrega que lembra os grandes folhetins — algo que também tem seu valor cultural e literário. Afinal, por que a literatura teria que ser sempre contida, autorreflexiva, cerebral?
Falo aqui também como leitor: Tudo É Rio me pegou desprevenido. Em algumas passagens, senti um incômodo quase físico — talvez porque a autora acerte precisamente nas feridas que preferimos esconder. Em outras, me deixei levar pelo fluxo de sua prosa, como quem se abandona a um rio, sem saber se vai emergir do outro lado. Pode não ser uma obra perfeita, e talvez nem queira ser. Mas é um livro vivo, um novelão, no melhor sentido da expressão. E talvez seja isso o que tantos leitores, em silêncio ou em lágrimas, encontram em suas páginas.
TUDO É RIO | Carla Madeira
Editora: Record (atual edição);
Tamanho: 210 págs.;
Lançamento: Dezembro, 2014 (primeira edição).
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