Em meados de 2018, entrei em contato com um canal de YouTube. Embora avessa a youtubers e afins, este canal me chamou a atenção: ao invés de falar sobre coisas triviais, era um espaço para divulgação de vídeos curtos (de cerca de dez minutos) com análises originais acerca de temas diversos da cultura e da política. Em suma, o canal publicava verdadeiras aulas – e, o melhor, por meio de uma linguagem acessível e divertida.
Falo do canal Meteoro Brasil, “alcunha” assumida por dois jornalistas, Álvaro Borba e Ana Lesnovski, no intuito de divulgar um conteúdo elucidativo – no sentido mesmo da etimologia da palavra, de trazer luz a algo que está mantido sob sombras – em relação a assuntos das mais diversas naturezas. Com um humor e uma leveza atípicos a quem costuma falar de temas densos, os vídeos do Meteoro servem para ajudar seus espectadores a terem acesso a um conhecimento consolidado pelos métodos científicos, e não pelo senso comum. Tudo embalado por uma trilha sonora light, aprazível, meio bossa nova, enquanto falam de temas cabeludos como os retrocessos do governo Bolsonaro ou a crise na Amazônia.
O sucesso do Meteoro Brasil foi tanto que, recentemente, tudo isso rendeu um livro, intitulado, de forma debochada, de Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota (uma provocação, é claro, a partir do livro O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota, do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho). A obra é uma espécie de “manual” para a desconstrução de 24 teorias da conspiração levantadas e defendidas pelo obscurantismo que cerca alguns setores do Brasil – centralizados, em parte, na própria figura de Olavo de Carvalho, que nunca é nomeado, tal como Voldemort da série Harry Potter, conforme brincam os autores.
‘Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota’ segue a mesma proposta do canal do YouTube: mais do que ser um espaço centralizador, o livro pretende ser uma porta da entrada para outros conhecimentos.
Ainda que a abordagem seja bem-humorada, os temas trazidos no livro são pesadíssimos. Afinal, tratam-se de premissas tidas como inconcebíveis há até pouco tempo (como a tentativa de desconstrução do legado de Paulo Freire, a ideia de que existe “ideologia de gênero”, a ineficiência do método científico, a premissa de que a terra seria plana) mas que hoje encontram alguma legitimidade no espaço público por meio de proferimentos públicos de pessoas interessadas na difusão dessas crenças. Por meio de um texto fluido e bastante didático, Ana e Álvaro levam os leitores pela mão e explicam, de modo muito claro, as maneiras pelas quais essas ideias foram assentadas no imaginário de uma camada da população, oferecendo, assim, um “antídoto” para desconstruí-las.
E quem, afinal, é o idiota do título? Mais do que um xingamento, o termo, conforme explicam os autores, se associa à ideia do “vaidoso” e do “pretensioso”, àquele que só se interessa pelo que concerne a si mesmo. Ana e Álvaro esclarecem: “o idiota era um egoísta no passado – e continua sendo. A diferença é que, na antiga Atenas, ele ficava fora da política. Hoje, ele é a política”.
Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota (título bastante provocativo, vale dizer, uma vez que parece chamar o leitor de idiota, enquanto faz obviamente o contrário) segue a mesma proposta do canal do YouTube: mais do que ser um espaço centralizador, o livro pretende ser uma porta da entrada para outros conhecimentos. Tudo o que é dito na argumentação dos autores é referenciado e todos os capítulos se encerram em indicações complementares, estimulando a autonomia do leitor. Não há interesse em fazer com que o usuário permaneça na página do Meteoro nem a intenção de ser doutrinador – não por acaso, o canal tem uma espécie de bordão, a frase “só se você quiser”, priorizando que cada pessoa que chegue até ali seja livre para acreditar, ou não, naquilo que está sendo dito.
Em suma, Tudo o que você precisou desaprender para virar um idiota é quase um livro didático, bastante dialógico com as gerações mais jovens. Passeia por diversas áreas, como a comunicação, a história, a política, a economia. E embora seja uma leitura extremamente prazerosa, é também incômoda, pois nos confronta a todo tempo com nossos preconceitos. Enquanto lia, por exemplo, tive uma espécie de alívio por não conhecer pessoas que defendem ideias do tipo “o método científico é a pior forma de alcançar a verdade”, para em breve ser defrontada por uma verdade desconfortável: a de que as mídias sociais “tendem a nos isolar em bolhas que nos protegem de qualquer divergência”.
Uma leitura imprescindível a todos que estão dispostos a confrontar suas certezas e a entender os mecanismos que “sequestraram” certas palavras de nós, brasileiros. O livro é uma verdadeira ode ao conhecimento, para ser consumido por todos – mas isso, é claro, apenas se você quiser.
TUDO O QUE VOCÊ PRECISOU DESAPRENDER PARA VIRAR UM IDIOTA | Meteoro Brasil
Editora: Planeta;
Tamanho: 333 págs.;
Lançamento: Outubro, 2019.