Mario Benedetti (1920 – 2009) completou seu centenário no último dia 14 de setembro de 2020. O mais montevideano dos escritores uruguaios, Benedetti foi um sujeito singular, capaz de orbitar entre os círculos intelectuais e as delicadezas mais prosaicas. Nesse espaço, a sua literatura construía uma ponte fantástica entre o real e a ficção.
Seja nos contos de Montevideanos (1959) – que exalavam um realismo tremendo, justamente, quando a América Latina caminhava para o boom – ou no relato desconcertante de um exilado em Andaimes (1996), Benedetti retratou a vida do terceiro mundo pelos olhos da Suíça latina.
Existia sempre uma busca pelo sublime, pelo poético. Os personagens são figuras comuns, quase gente de carne e osso, com quem poderíamos topar no Café Brasilero ou na Praça Independência. É o homem maduro que se apaixona pela colega de trabalho décadas mais jovem, de A Trégua (1960), ou um povo todo prostrado diante da ditadura militar, em Gracias por el fuego (1965). Nessas pequenas histórias havia o mundo todo – ou todo o mundo.
Discípulo direto de Onetti (1909 – 1994), o Machado de Montevidéu – em termos de importância, não de narrativa, que fique claro –, Benedetti se distanciou do mestre ao explorar o realismo cru do funcionário público que tenta pedir aumento, mas acaba encurralado na burocracia do Estado. De alguma forma, estava na vanguarda sem mover um único passado em direção do futuro.
A literatura de Mario Benedetti ainda é um manual de resistência e singeleza, e que é possível encontrar uma forma verdadeira de alívio.
Mario Benedetti: desexílio
Como parecia a sina muitos pensados e artistas latino-americanos, Benedetti foi perseguido, deportado e viveu todos os seus dias sob a sombra da repressão. Mesmo após o que chamou de desexílio – quando voltou ao seu país em 1983 –, fez da sua produção ficcional, poética e ensaística um sabá contra a imbecilidade.
É interessante que, após o regresso, seus romances e contos passaram a escrutinar o passado de uma forma bastante intensa. E talvez El Porvir de mi passado (2003) seja a exegese dessa investigação – uma busca profunda e que, sabia bem, jamais teria fim. Era uma busca por algo que não existia mais.
“O Uruguai já não é o mesmo de quando eu o deixei, nem é o país que imaginei quando o encontrei. Estava muito bem informado de tudo o que acontecia no país, mas não era o mesmo que eu imaginava”, disse em entrevista. “Vivi meu exílio em quatro países de língua espanhola, me adaptei muito bem. É possível aprender com as pessoas, mas não dos governos. No exílio ocorre um fenômeno de osmose; qualquer um dá tudo o que pode para agradecer ao país que o acolhe, mas também esse país oferece coisas.”
Nesse processo de ser uruguaio, de exercer a sua cidadania latina, Benedetti se tornou um sujeito do mundo. Através dos seus olhos era possível enxergar a esperança, ainda que diminuta, e a insegurança de quem já conhecia a vida como ela realmente era.
E aí mora a grandeza da sua obra. A literatura de Mario Benedetti ainda é um manual de resistência e singeleza, e que é possível encontrar uma forma verdadeira de alívio. Seus contos, romances e poemas são a síntese da tentativa de entender a barbárie sem perder a ternura.
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