A Flip reuniu nesta sexta-feira(01) os norte-americanos Michael Pollan e Andrew Solomon que, embora tratem em suas obras de temas muito diversos, têm em comum a opção pelo ensaio que dialoga com a grande reportagem e com a pesquisa em profundidade. E sem abrir mão da militância.
Pollan é, assumidamente, um ativista. Defende uma alimentação mais orgânica e saudável e tem como principal alvo a indústria alimentícia, que, em muitos casos, “fabrica produtos que se fazem passar por comida”.
Seu livro mais recente é Cozinhar – Uma História Natural da Transformação (ed. Intrínseca), que discute a importância de voltarmos a preparar nossos alimentos, de cozinhar em casa sempre que possível, e escapar do que é industrializado, do que ele chama de “substâncias comestíveis”. “Voltar à cozinha é um ato político”, disse Pollan, arrancando aplausos entusiasmados do público, que também gargalhou várias vezes com seus comentários de humor refinado.
Os dois têm em comum a opção pelo ensaio que dialoga com a grande reportagem e com a pesquisa em profundidade.
Contando que seria interessante que todos buscassem saber de onde vêm os alimentos que consomem, Pollan contou que, depois de ver uma fazenda em que o gado ficava confinado em condições desumanas, no próprio esterco, passou a investigar de onde vinha o produto que chegava a sua mesa.
O escritor ressaltou, ainda, que um dos maiores problemas mundiais no que se refere à saúde pública é a forma criminosa como a indústria alimentícia tenta seduzir as crianças — os refrigerantes, disse ele, não entram em sua casa e deveriam ser uma exceção e não uma regra na dieta infantil.
Pollan repetiu ao longo de sua apresentação as regras da alimentação saudável que ele cita em seus livros. A principal delas, em sete palavras: “Coma comida. Não em excesso. Plantas principalmente.”
No combate à obesidade, hoje uma epidemia nos Estados Unidos, e que também começa a se alastrar no Brasil, Pollan afirmou que deveríamos criar o hábito de comer até não ter mais fome… e parar por aí. “Temos um bilhão de famintos no mundo e um bilhão de obesos. Não há lógica nisso”, diz.
Ser diferente
O jornalista e ensaísta Andrew Solomon foi outra atração da Flip na sexta-feira. Ele comoveu a plateia ao falar de George, seu filho de 3 anos, que estava na Tenda dos Autores e subiu ao palco quando ouviu o pai falar dele.
Homossexual e casado com outro homem, contou que o menino foi concebido por inseminação artificial, a partir de um óvulo oferecido por uma amiga. Solomon é autor de O Demônio do Meio-dia (que acaba de se ser relançado pela Companhia das Letras), hibrido de testemunho pessoal e estudo sobre a depressão, escrito depois que ele enfrentou a doença.
O escritor também lançou no Brasil este ano, pela mesma editora, Longe da Árvore. A obra resultou de um longo esforço de pesquisa reportagem com famílias que tiveram de lidar com desafios na criação de seus filhos, como autismo, surdez, nanismo, esquizofrenia e transtorno de gênero.
O autor contou que, ao lançar O Demônio do Meio-dia, ficou surpreso que o livro tivesse sido traduzido para 24 idiomas. E ainda mais atônito quando recebia cheques referentes ao direitos autorias da venda do volume no Brasil. “Pensava que aqui todo mundo era feliz, mas fiquei contente que os deprimidos brasileiros estavam encontrando apoio e consolo no meu livro.”
Para o autor, o contrário da depressão não é a felicidade, mas a vitalidade. “Creio que a doença, que tem causas químicas, genéticas, mas também ambientais, sociais e culturais, sempre existiu, mas há aspectos da vida contemporânea, como o stress e a velocidade, que certamente influenciam sua incidência.”
Em relação ao livro Longe da Árvore, ele explicou que a obra tenta buscar um equilíbrio entre os conceitos de patologia e identidade, citando exemplos de como isso ocorreu ao longo da história.
A homossexualidade, por exemplo, já foi vista pela própria medicina como uma doença, mas essa percepção, felizmente, mudou radicalmente para a maioria esclarecida.
Lembrou, porém, de que há condições que não devem ser afirmadas como identidades — caso da anorexia e da bulimia. “Ao longo da história, usamos as palavras identidade e doença para descrever as mesmas coisas. Antigamente, a mulher não podia votar, porque a identidade feminina era vista como uma limitação, algo ruim”, afirmou o escritor.
Sobre criar filhos, Solomon disse ser preciso criar as crianças reconhecendo quem são. “Temos que dar confiança para que elas sejam pessoas plenas. E essa confiança surge do amor dos pais.”
TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE NO JORNAL GAZETA DO POVO EM 02/08/2014.
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