A literatura distópica nunca fez tanto sentido quanto agora. Aquilo que Orwell, Huxley e Bradbury escreveram – só para citar a santíssima trindade do gênero –, em alguns casos, já faz parte do nosso cotidiano. Pela televisão, ou nas redes sociais, testemunhamos com assombro – e certo quê de inércia – a ascensão de poderes conservadores, misóginos e contra políticas de imigração colocando a frase de Marx – de que história se repete como farsa e depois tragédia – no chinelo.
Ao contrário de 1984, Admirável Mundo Novo e Fahrenheit 451, que se enquadram em uma espécie de literatura de antecipação, O Conto da Aia, de Margaret Atwood, reuniu fatos que aconteceram realmente para criar a história da República de Gilead, antigamente chamada de Estados Unidos, país cujo destino das mulheres é ser esposa ou povoar o mundo com o dom da maternidade. As mulheres inférteis das classes mais pobres são sumariamente fuziladas.
O livro, publicado originalmente em 1985, voltou das cinzas graças à série The Handmaid’s Tale e desde então tem trazido à tona o debate sobre os perigos da religião ter poder sobre o Estado. Na história de Atwood, a República de Gilead é um governo teocrático fundamentado no Velho Testamento. Offred – note que o nome é uma piada com Of Fred (Pertencente a Fred) –, oriunda da classe média e bem-sucedida, vê sua vida arruinada após o governo tomar todos os bens das mulheres e transferi-los para os maridos. Em poucas horas, todas perdem seus empregos e são capturadas, aprisionadas e enviadas a uma espécie de escola na qual aprendem as funções de uma aia.
O patriarcado, um câncer que assola a sociedade há anos, é apresentado em sua forma mais brutal e impiedosa: homens que, sem medo, se sobrepõem aos demais e, principalmente, sobre as mulheres.
Offred é, ainda assim, uma anti-heroína, jogando contra o sistema mas baixando a cabeça para o status quo quando sente que é preciso sobreviver. Com maestria, Margaret Atwood desenha com realidade, sensibilidade e metáforas as experiências vividas por muitas mulheres ao redor do mundo. Não é preciso estar em um governo absolutista para sentir na pele o que é ser mulher: basta usar o metrô em São Paulo ou pegar um ônibus em Curitiba. Sem levantar qualquer bandeira, a escritora faz de sua protagonista uma mulher à altura dos desafios contemporâneos e um espelho do que pode acontecer caso fechemos os olhos.
Câncer
Em O Conto da Aia, Atwood faz mais que uma crítica à presença política da igreja, estabelecendo ligações com o obscurantismo contemporâneo promovido por algumas religiões e a reconstrução do passado por meio da manipulação dos fatos – como bem fazia Smith no mundo orwelliano. Recheado de referência à Idade Medieval, quando a Igreja Católica queimou mulheres acusadas, não raras vezes sem provas, de bruxaria.
Na obra de Margaret Atwood, não existem coincidências: a dureza da realidade – seja ela atual ou passada – é retratada com coragem e sem qualquer dissimulação. O patriarcado, um câncer que assola a sociedade há anos, é apresentado em sua forma mais brutal e impiedosa: homens que, sem medo, se sobrepõem aos demais e, principalmente, sobre as mulheres.
[box type=”info” align=”” class=”” width=””]O CONTO DA AIA | Margaret Atwood
Editora: Rocco;
Tradução: Ana Deiró;
Tamanho: 368 págs.;
Lançamento: Agosto, 2006.
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