É bem difícil escrever sobre Carson McCullers, pois são grandes as chances de o texto não conseguir dar a dimensão da grandiosidade de seu trabalho. Embora não seja tão festejada quantos seus pares, como William Faulkner e Ernest Hemingway, a escritora construiu um legado curto, mas muito poderoso na literatura americana.
A Balada do Café Triste e Outras Histórias, lançado no Brasil pela editora José Olympio com tradução ilustre de Caio Fernando Abreu, é uma coletânea com sete contos que traçam um panorama muito íntimo do sul dos EUA (a autora nasceu na Geórgia), e também exploram de maneira muito terna as nuances do comportamento humano, em especial dos corações mais solitários.
Embora tenha estreado cedo na literatura, aos 22 anos com o elogiadíssimo O Coração É um Caçador Solitário, as coisas não foram nada fáceis para McCullers, que sempre levou uma vida de merda. O suicídio do marido e a doença que lhe paralisou um dos lados do corpo durante 20 anos (ela escrevia com apenas um dedo, deitada e sentindo dores) acabaram por moldar uma visão de mundo bastante sensível.
A Balada do Café Triste e Outras Histórias é uma coletânea com sete contos que traçam um panorama muito íntimo do sul dos EUA, e também exploram de maneira muito terna as nuances do comportamento humano, em especial dos corações mais solitários.
O livro de contos nos dá um interessante vislumbre deste universo interior, repleto de dor, mas também de compaixão e humanidade. Num primeiro momento, no longo conto que dá título à coletânea, os personagens de McCullers parecem integrar o elenco de Freaks (clássico cinematográfico de 1932), uma vez que o livro já começa com uma história envolvendo uma mulher muito alta e forte que se envolve com um corcunda. Porém, tudo aquilo que poderia ter uma conotação bizarra, circense ou apenas cruel, acaba por simplesmente inexistir dada a capacidade da autora em humanizar e dar contornos muito complexos às suas crias. Ela faz com que o leitor se identifique e se sinta na pele daqueles personagens que até então lhe pareciam tão alheios.
Temos desde a história de uma jovem pianista que começa a descobrir a frustração e a sexualidade (“Wunderkind”), passando por uma esposa mergulhada no alcoolismo (“Uma Questão Doméstica”), uma conversa de boteco que ganha contornos de uma parábola filosófica (“Uma Árvore, uma Rocha, uma Nuvem”), uma mulher que parece confundir realidade e ficção (“Madame Zilensky e o Rei da Finlândia”), até um jóquei meio neurótico que cria um clima de tensão assustador (“O Jóquei”), ou o ex-marido que tenta inutilmente recolher os cacos do passado (“O Transeunte”), sendo este o meu conto favorito.
Carson McCullers esmiúça as angústias e inseguranças que moldam o nosso comportamento, mas em momento algum nos dá todas as reflexões prontinhas numa bandeja. Há vários hiatos e silêncios que o leitor precisará preencher por conta própria, tal como pede um bom modelo de conto, para alcançar a catarse ou o encanto ao final de cada história.
Isso não quer dizer que ela seja uma escritora muito complicada. Nada disso, uma das coisas que mais se destaca quando nos deparamos com Carson McCullers é a fluidez da sua narrativa. A prosa da autora é límpida e poética, com claro interesse em contar uma história e não em demonstrar um estilo ou em elevar a linguagem a outro patamar. Ela consegue ser desafiadora sem precisar se esconder atrás de um estilo truncado.
Enfim, as histórias de McCullers variam muito de tema e de tom, mas todas culminam numa sensação bastante dolorida de inadequação. Os personagens enfrentam diferentes problemas, reagem de maneiras diversas, mas no fim das contas, lá em seu íntimo, o que eles sentem de verdade é o peso imenso da solidão.
A BALADA DO CAFÉ TRISTE E OUTRAS HISTÓRIAS | Carson McCullers
Editora: José Olympio;
Tradução: Caio Fernando Abreu;
Tamanho: 192 págs.;
Lançamento: Janeiro, 2010.