Como já demonstrado em tantos outros livros, Philip Roth tem grande habilidade de retratar as neuroses relacionadas à dupla dinâmica: culpa e sexualidade. Dois elementos que muitas vezes acabam por implodir valores morais e religiosos. Em Indignação, publicado pela Companhia das Letras com tradução de Jorio Dauster, por exemplo, um boquete (que em português culto significa “sexo oral”) inesperado desencadeia tantos conflitos que quase vira uma tragédia grega, dado o pensamento (mas não necessariamente o comportamento) da época em que se passa a história, os anos 1950.
Este é também um livro sobre paranoia. Marcus Messner é um jovem ateu que cresceu ajudando seu pai, um judeu conservador e superprotetor, no açougue kosher da família, em Nova Jersey. A obsessão do pai com o bem-estar do garoto e o medo exacerbado de que ele se meta em confusão beira a loucura e faz com que o menino enxergue a vida universitária em Ohio não necessariamente como uma possibilidade de futuro profissional, mas sim como um ponto de fuga e liberdade.
A Guerra da Coréia come solta e este é o maior medo de Messner. Ele precisa se destacar nos estudos, pois esta é a sua única chance de escapar das linhas de frente da batalha caso o conflito se alongue e o Tio Sam o convoque. Contudo, tão grande quanto sua inteligência é a sua inabilidade de convívio social, e essa inclinação para a solidão pode ser um problema num ambiente cheio de fraternidades.
A história se desenrola então a partir da dificuldade de lidar com colegas de quarto e a chegada de Olívia, uma garota com um passado nebuloso e problemático. A paixão que nasce de uma embaraçosa aproximação sexual, acaba por embaralhar os valores morais a que Messner foi condicionado ao longo da vida, não só pelos pais, mas pela própria sociedade. Curiosamente, o pensamento machista retratado ali na década de 1950 ainda soa incomodamente atual, uma vez que vivemos num contexto em que ainda predomina o ranço da moral religiosa e que não consegue pensar a inserção da mulher neste novo espaço, sob uma perspectiva minimamente sensata.
Curiosamente, o pensamento machista retratado ali na década de 1950 ainda soa incomodamente atual, uma vez que vivemos num contexto em que ainda predomina o ranço da moral religiosa.
As questões de ordem religiosa acabam protagonizando o melhor momento do livro: o embate entre o protagonista e o diretor da faculdade, Howes D. Caudwell. O aluno invoca o texto “Why I am not a christian”, do filósofo e matemático Bertrand Russell para tentar desconstruir e quem sabe destruir verbalmente todo o circo social/cristão que envolve a instituição universitária, ao passo que Caudwell tenta se manter inabalável. É um longo trecho que faz a gente entender porque tanta gente paga pau pro Philip Roth e morre de medo que ele esteja falando a verdade quando anuncia pela décima vez que vai se aposentar.
O livro é curtinho e deixa a sensação de que talvez Olívia, a personagem mais curiosa da narrativa, apesar de ser coadjuvante, poderia ter um pouco mais de espaço, mas as lacunas que preenchemos com nossa própria imaginação talvez sejam mais interessantes do que uma solução pronta.
No fim das contas, Marcus Messner acaba se tornando um adorável babaca. É um daqueles personagens com atitudes estúpidas, mas que por ter sito tão bem retratado pelo autor, a gente acaba torcendo pra que não se foda tanto na vida e não tenha um final horrível.
Como se torcida resolvesse alguma coisa, né?
INDIGNAÇÃO | Philip Roth
Editora: Companhia das Letras;
Tradução: Jorio Dauster;
Tamanho: 160 págs.;
Lançamento: Maio, 2017 (atual edição).