A edição da Flip deste ano foi das mulheres negras e autores independentes. Se a programação oficial homenageou Hilda Hilst em todas as suas faces – poesia, ficção e drama -, trazendo tanto autoras que a conheceram, como a poeta portuguesa Maria Teresa Horta, como novas autoras da diáspora (a marroquina Leila Slimani e a somaliana Igiaba Scego), a agenda paralela celebrou Conceição Evaristo e a vereadora Marielle Franco nas casas paralelas e na Flipei, a “Flip pirata”, realizada num barco ancorado no cais do porto.
Esta foi a primeira vez que fui à Flip, integrando um grupo de editoras e movimentos independentes na Casa do Desejo, uma das 22 casas paralelas à programação oficial. A abertura é mais um feito da curadora Josélia Aguiar, que coloca o mercado independente em pé de igualdade com o grande mercado, ao menos em termos de visibilidade.
Na profusão de eventos e autores da Flip, uma pequena editora, a baiana Corrupio, criada especialmente para a publicar as fotos do antropólogo francês Pierre Verger no Brasil, dando o tom da ampliação do mercado. Pequenas editoras brasileiras, como as paulistanas Patuá, Urutau, Mazza, Moinhos, Reformatório, Demônio Negro, Penalux, Nós, Pólen, Lote 42, Laranja Original e outras como Mondrongo (BA), Quintal (BH), Jaguatirica (RJ), também movimentam o mercado brasileiro, com edições de primeira qualidade, além de ter em seu catálogo autores premiados.
A edição da Flip deste ano foi das mulheres negras e autores independentes.
A Editora Patuá, por exemplo, está publicando a trilogia infernal de Micheliny Verunschk, a Mazza, especializada em autores negros, tem títulos de Conceição Evaristo, a Moinho e a Penalux já publicaram títulos de Maria Valéria Rezende. A Quintal Edições, uma editora feita só por mulheres, da diretora à equipe profissional, lançou a antologia Um girassol nos teus cabelos – poemas para Marielle Franco, uma homenagem de 50 poetas brasileiras à vida da vereadora carioca assassinada em março.
Fiz uma seleção de autoras que não têm nada a ver com lista de mais vendidos ou de escritoras que serão conhecidas e lidas por estarem na programação oficial da maior festa literária do mercado brasileiro. É uma lista de autoras – 5 poetas e uma recontadora de histórias – que integram o movimento Mulherio das Letras, criado há 1 ano e que estreou na Flip. Escreverei sobre os livros de cada uma mais para frente, apresentando outras escritoras potentes que transitam no mercado alternativo.
1 – de barro e de pedra, Nydia Bonetti (Urutau, 2017)
A concisão e a sobriedade lembram Orides Fontella, influência inegável da poeta paulistana. Nydia é uma das revelações da poesia brasileira contemporânea. Avessa à vida literária, desenvolve uma linguagem precisa em torno de alguns elementos simbólicos: a flor, o jardim, a pedra, o pássaro. Este é o seu segundo título comercial.
2 – Haicaos, Sandra Regina de Souza e Múcio Goes (Limiar, 2012)
Os poemas de Sandra Regina de Souza não obedecem à métrica e às regras da forma poética japonesa do haicai. A transgressão abre caminho para a liberdade criativa, em que o limite é a concisão da linguagem, a clareza e o humor. Os poemas são agrupados nos temas das quatro estações do haicai, mas o tema principal é o amor. Este é o segundo livro da autora paulistana.
3 – mínima, Marcia David (edição da autora, 2017)
O livro, em edição autoral caprichada, reúne aforismas e ilustrações da poeta mineira, também formada em arquitetura e artes plásticas. Todos os poemas são traduzidos para o inglês e para o francês. Algumas vezes, lembra a linguagem direta de Manoel de Barros.
4 – O que ficou da fotografia, Socorro Nunes (Linguaraz, 2016)
Memória ou fragmento, uma viagem que integra o sertão do Brasil às grandes metrópoles do mundo. Os poemas delicados da mineira Socorro falam um pouco sobre tudo, de leituras, da vida e da morte. Este é seu terceiro livro de poemas.
5 – A pena secreta da asa, Socorro Lira (Uka Editorial, 2014)
A paraibana Socorro Lira transpõe para o papel a verve “cantadeira” herdada da mãe: ela é compositora, cantora, instrumentista e produtora cultural. A pena secreta da asa é seu segundo livro de poesia, em que a linguagem coloquial é o forte. Traz temas como o amor, a morte, as reflexões sobre o sentido da vida.
6 – Aiho ubuni wasu”u – O Lobo Guará e outras histórias do povo xavante, Autores: Povo A”uwe uptabi da aldia Etehiritipá, organizado por Angela Pappiani e Maria P. Lacerda (Ikorê, 2014)
O projeto Histórias da Tradição, conduzido pela jornalista Angela Pappiani, resgata a memória de narrativas da tradição oral indígena. Além de “O Lobo Guará”, ouvidas de narradores xavantes, também integra o projeto o livro “Ynyxiwè, que trouxe o sol e outras histórias do povo Karajá”, com os mitos coletados de narradores Karajá. O projeto registrou mais de 50 histórias em áudio – 15 xavante e 35 karajá -, traduzidas para o português por uma equipe de tradutores indígenas. Angela é diretora da produtora Ikorê e já realizou vários projetos com o povo xavante – livros, CDs e documentários – e intermediou a parceria com dos indígenas com o grupo de rock Sepultura.