O homem ao lado podia não ser ninguém de tão diferente dos demais, todos anônimos naquele canto da cidade. E não fazia nada de diferente. Exceto chorar, e com isso comover um sujeito tão anônimo quanto si mesmo, que gravou tão bem aquele choro escondido que o contou em uma crônica. Sérgio Porto registrou esta e outras miudezas do Rio de Janeiro de 1950, uma cidade em constante urbanização, e que às vezes causava um desconforto em Porto, que via o espaço físico de algumas miudezas suas desaparecer em meio às construções então recentes.
Despido de sua identidade hoje nada secreta, Stanislaw Ponte Preta, impiedoso e certeiro satirista da “redentora” ditadura, temos nas crônicas um autor de linhas agridoces, suas prováveis defesas perante a cidade, equivalentes àquelas de seus ataques enquanto Stanislaw. Também podemos imaginar Sérgio Porto criando uma ponte com suas linhas, unindo o Rio em que cresceu àquele de sua idade adulta.
Nessa caminhada, leem-se memórias de infância, de saudosas criancices a costumes perdidos. Confundem-se algumas manias dos moradores do Rio metrópole, é um pouco difícil entender o porquê uma certa senhora manda seus criados lavarem tantas e tantas vezes a casa, ainda mais depois que todos sentiram um cheiro estranho e ninguém descobre a origem.
Entre os ilustres habitantes, cujas manias o autor tenta compreender, está o Latricério e seu linguajar difícil.
Entre os ilustres habitantes, cujas manias o autor tenta compreender, está o Latricério e seu linguajar difícil. Funcionário do prédio onde Sérgio mora, serve de personagem ao cronista graças à sua fala com “erros só seus”: “cano de orige”, “pranta” e palavras do gênero. É uma das crônicas mais curiosas do autor, tanto pela clara estranheza dele com um vocabulário que podemos chamar de qualquer coisa exceto culto (o que demonstra um leve grau de paranoia), como também porque Porto chama Latricério de personagem e lamenta sua ausência quando este é mandado embora do prédio.
Viajando um pouco na interpretação, isso explica a relação dele com a cidade: não entendia tudo, às vezes copiava uma prática para se acostumar mais com as ruas e nem sempre dava certo. Enquanto caminhante da metrópole, Sérgio Porto tinha suas palavras e suas impressões, e podemos nos identificar um pouco com algumas delas devido à ação do tempo e também pela sensação de (re)descoberta possível ao andar por aí e (re)conhecer uma rua, um prédio e um costume – sensações que não são vulneráveis ao tempo, embora as cidades e as gentes não disponham desse privilégio. Talvez o homem ao lado fosse um disfarce fingido deste cronista carioca, querendo uma companhia com quem rir e reclamar de si e do mundo, e suas lágrimas não sejam o que parecem.