Na exposição A Biblioteca À Noite, que trata do livro homônimo de Alberto Manguel e está em exposição no Sesc Paulista (já apresentada aqui na Escotilha), ouvimos uma reflexão do autor sobre a constituição das bibliotecas.
Em determinada altura, ele comenta que esse processo de formação traz consigo, inevitavelmente, sua antibiblioteca: “Todas as escolhas que fazemos, todas as bibliotecas que construímos, escondem, como marcas d’água, a biblioteca dos livros não guardados, rejeitados, banidos, queimados, ignorados”.
Em menor escala, a escolha das leituras que fazemos também trazem consigo as que não fazemos. O fato de escolher um livro remete imediatamente aos livros que escolhemos não ler. Esse caminho, se documentado, deve sugerir a constituição de um leitor para além dos gostos – quais textos constituem meu repertório cultural? Quais intertextualidades eu consigo perceber? Quais conexões eu posso realizar? Eu conheço as narrativas-mestras que permeiam minha sociedade?
Numa visão mais determinista, é possível que as escolhas dos primeiros livros lidos nos guiem até os últimos dos livros lidos.
Foi pensando sobre isso que passei a documentar e refletir sobre minhas leituras a partir da virada de ano de 2016 para 2017. É um costume que comecei a fazer anualmente para perceber o que eu lia, o que pretendia ler e como essas duas pontas se conectavam. Compartilho aqui o que percebi das minhas leituras em 2018 para novos debates, reflexões e, quem sabe, como incentivo para outros leitores.
Uma ferramenta que me ajuda a fazer esse controle é o Goodreads. Lá, eu faço o controle dos livros que li/estou lendo e é onde eu estabeleço, também, uma meta de leitura. A meta de leitura nesse site é diferente da configurada no Skoob – neste, é preciso escolher os livros que você pretende ler ao longo do ano; naquele, você seleciona uma quantidade de livros que você pretende ler.
No fim do ano, o Goodreads disponibiliza um link chamado “My Year in Books” (ou, o meu ano em livros). Aqui, você visualiza sua meta de leitura, quantidade de páginas, livros lidos, maiores, menores e os mais e menos populares. Esse panorama gera algumas visões. A primeira é um questionamento antigo e diz respeito às notas taxativas que seguem as leituras: quais critérios utilizar para classificar uma leitura? Eu geralmente me pauto pela minha experiência de leitura e pelo que entendo que é a proposta do livro – duas coisas que entendo de maneiras separadas, já que posso não gostar de um livro e entender que atingiu o objetivo proposto (e é o caso de alguns livros que não possuem um arco narrativo). No Goodreads, as notas funcionam de zero a cinco estrelas; muitos livros que não deveriam estar próximos ficam juntos na faixa das três estrelas.
Existiram leituras, também, que só foram feitas por conta de leituras conjuntas. Foi o primeiro ano em que participei dessas iniciativas: as mais marcantes foram o Desafio Livrada! 2018 e a leitura conjunta de Irmãos Karamázov, promovida pelo canal Las hojas muertas y otras hojas (você pode assistir à playlist de leitura aqui). O Desafio Livrada! é uma iniciativa interessante promovida pelo Yuri Al’Hanati, booktuber que também escreve no portal Escotilha. O desafio é constituído por 14 categorias, que funcionam como um bingo literário, e um livro obrigatório. O desafio é uma interessante iniciativa para te tirar da zona de conforto e descobrir coisas novas (se você quiser saber mais, confira o Desafio Livrada! 2019).
Todas as escolhas que fazemos, todas as bibliotecas que construímos, escondem, como marcas d’água, a biblioteca dos livros não guardados, rejeitados, banidos, queimados, ignorados.
Durante esse ano também mantive a assinatura da TAG – Experiências Literárias por bastante tempo e as leituras que fiz por conta disso também revelaram nomes novos e situações inesperadas, como a surpresa do livro de Dürrenmatt. Por conta das atividades necessárias da bolsa de mestrado, também ofereci oficinas de leitura em 2018, que me permitiram estudar mais sobre Macunaíma e alguns escritores clássicos da literatura russa, como Puchkin, Gógol, Tolstói, Dostoiévski e Tchekhov (e os leitores daqui acompanharam o resultado de algumas dessas leituras aqui na coluna).
Por fim, o que ressalta é um retrato dos gêneros e subgêneros que apareceram: muitos livros que aparecem por causa do período de pesquisa da dissertação, muitos quadrinhos, uma diminuição drástica dos livros infanto-juvenis – que sinto falta, já que pretendo terminar as Desventuras em Série e ler Harry Potter. Li pouquíssimas poesias e tive a minha primeira e única experiência com um audiobook ao ouvir uma dramatização de Drácula (que recomendo muito, já que está gratuita no Ubook).
Em relação à parte organizacional, percebi que inserir livros na meta de leitura do ano – uma relação a longo prazo – não funciona como guia de leitura.
Por fim, três coisas devem ser destacadas no fim do texto. 2018 foi o ano em que: dediquei-me efetivamente à produção de materiais críticos sobre literatura; comecei a ler literatura brasileira contemporânea regularmente; apaixonei-me pela literatura russa e, principalmente, por Svetlana Aleksiévitch.
Ao fim dessa leitura, o que esse balanço me diz não é uma conclusão, mas indicações. A sensação que fica é a mesma que Alberto Manguel expressa no fim do texto citado acima: “eu encontrei, há muitos anos, os livros que constituem essa biblioteca – que é a minha. Eu ainda não consegui dizer o que é esse lugar povoado de espectros de palavras. Eu ainda procuro a resposta”.