Os leitores das obras do jornalista Andrew Solomon sabem bem: um dos grandes trunfos deste autor é a profundidade com que mergulha nos temas que investiga e a franqueza tocante com que os aborda – quase sempre, expondo suas conexões com sua própria vida. Não seria diferente então com Um crime da solidão – reflexões sobre o suicídio, livro lançado pela editora Companhia das Letras que reúne 9 ensaios sobre um assunto tido por muitos como um tabu irrevogável.
Ainda que não seja um livro exatamente novo (a obra é uma compilação de artigos já publicados, incluindo trechos de O demônio do meio-dia, seu livro mais famoso, considerado por muitos críticos como o tratado mais completo sobre a depressão), Um crime da solidão é uma leitura breve e provocativa para se pensar de forma menos emotiva sobre o suicídio. Entre as abordagens do autor, está o enfrentamento de várias questões que nos perturbam há anos: o suicídio é contagioso? Noticiar o suicídio de celebridades encoraja anônimos a se matarem? Há alguns grupos que estão mais suscetíveis por essa opção? Só as pessoas mais abastadas têm depressão? Há características comuns entre as pessoas que estão mais propensas a encerrar a própria vida? As pessoas deveriam ter direito a morrer?
Tal como em suas obras anteriores, Solomon mescla relatos pessoais com uma exaustiva abordagem jornalística, envolvendo uma pesquisa sólida e revelando, de forma assertiva, suas descobertas. É o que ocorre no capítulo mais interessante de todos, o qual dá título ao livro. Lá, o jornalista faz uma série de considerações contundentes sobre a realidade do suicídio, encarado por ele como uma solução desesperada para um problema passageiro, que pode e deve ser evitado a partir de políticas públicas.
Alguns dados trazidos por ele são impactantes: o suicídio é diretamente ligado às oportunidades de cometê-lo. Ou seja: em um grupo social, haverá mais suicídios bem-sucedidos à medida em que a população encontrar maneiras mais eficientes de se matar. Sociedades com facilidade de acesso a armas têm números maiores de suicídio – nos Estados Unidos, dois terços das mortes ocorrem por armas de fogo, que são mais fatais, por exemplo, que medicamentos. Em outras palavras, Solomon pontua que a lógica do “a pessoa que quer morrer encontrará alguma maneira de fazê-lo” é falha e mesmo irresponsável.
É preciso pontuar que o talento literário de Andrew Solomon segue presente nesta breve obra: ele é capaz de nos comover com a precisão das palavras que escolhe e com a capacidade que tem de desnudar-se frente a seus leitores.
Outra questão contundente trazida pelo autor diz respeito ao estigma de que a depressão (tema que perpassa inevitavelmente todo o livro, pois é inseparável da discussão sobre suicídio) seria doença de ricos, pois os pobres não teriam tempo para pensar em seu sofrimento mental. Frente a esse dilema, Solomon conclui que a nebulosidade em torno da depressão faz com que muitas pessoas não consigam tratamento: “se a sua vida é sombria, brutal e terrível em todos os sentidos, você se sente horrível o tempo todo, não lhe ocorre a possibilidade de estar doente, porque o jeito como se sente parece compatível com a vida que tem. Portanto, pessoas pobres que sofrem de depressão aguda no geral não buscam tratamento, porque não lhes ocorre que haja nada de anormal no jeito como se sentem”.
Por isso mesmo, a depressão precisa ser incluída como tema de saúde pública, pois seu impacto é social e não individual – as gerações que se seguem são as que sofrem as consequências quando um progenitor se mata, por exemplo, ou pensa em se matar, e não consegue trazer condições necessárias para que os filhos desfrutem de boa saúde emocional. Em suma, há aqui o desmonte de outra falácia: a de que depressão seria preocupação de quem não tem com o que se preocupar.
Por fim, é preciso pontuar que o talento literário de Andrew Solomon segue presente nesta breve obra: ele é capaz de nos comover com a precisão das palavras que escolhe e com a capacidade que tem de desnudar-se frente a seus leitores, compartilhando episódios e percepções muito íntimas. É especialmente enternecedor o capítulo em que narra a morte de sua mãe, que decidiu cometer suicídio assistido ao ser acometida por um quadro grave de câncer, optando por controlar seu próprio fim.
Mais do que isso, a escrita de Andrew Solomon nos consola, paradoxalmente, por sua tocante sinceridade e lucidez em abordar ambos os temas, depressão e suicídio, sem oferecer redenção nem soluções fáceis para estes problemas da alma. Bem longe da autoajuda e muito próximo, é claro, do melhor tipo de jornalismo.
UM CRIME DA SOLIDÃO | Andrew Solomon
Editora: Companhia das Letras;
Tradutor: Berilo Vargas;
Tamanho: 105 págs.;
Lançamento: Novembro, 2018.
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