Nesta semana, na coluna Prata da Casa, ao falar sobre o primeiro trabalho de uma banda paranaense, escrevi sobre criatividade e originalidade na música. Não que considere que esteja em falta, ao contrário. Penso que entramos em um círculo vicioso no qual é gostoso (nos faz ter uma sensação de pertencimento) e importante criticar toda música feita em solo brasileiro. Exemplos não faltam de bons grupos, criativos e originais e, mais um deles, vem de Goiânia.
Posto desta forma, parece até que falo de uma banda nova, imatura, o que, neste caso, passa bem longe de ser verdade. O Boogarins surgiu em 2012, na quente e abafada Goiânia. Com um grande disco nas costas – o elogiado As Plantas que Curam, de 2013 -, o grupo chamou a atenção do selo Other Music, que faz parte da gravadora Fat Possum, que tem no catálogo nada mais nada menos do que Iggy Pop, Band of Horses e Black Keys.
Sem dúvida que ter um selo norte-americano ajuda que o grupo tenha várias portas abertas, mas não podemos pensar que isso é o único fator preponderante. O rock psicodélico dos goianos é carregado da boa influência do que foi feito aqui mesmo, no Brasil, durante os anos 1970, por grupos como Novos Baianos e Os Mutantes, e mais recentemente pelo Júpiter Maçã. Estes sim foram fatores primordiais para levar o Boogarins a festivais como SXSW, em Austin, nos Estados Unidos, e Primavera Sound, em Barcelona, na Espanha. Aliás, foi em terras espanholas que o grupo deu início à gravação de Manual, seu segundo disco, que será lançado ainda este mês.
O rock psicodélico dos goianos é carregado da boa influência do que foi feito aqui mesmo, no Brasil.
Gravado em fita no Estudio Circo Perrotti, em Gijón, e finalizado no estúdio caseiro de Benke Ferraz, guitarrista do Boogarins, Manual será lançado com um show especial no Mirante 9 de Julho, no dia 25 de outubro, cinco dias antes do lançamento oficial nas plataformas digitais. Será o último show antes de uma pequena turnê por dez países na Europa.
“6000 Dias”, primeiro single do novo trabalho, traz de volta o Boogarins com uma roupagem cada vez mais psicodélica. Mantendo a essência do grupo – riffs potentes alimentados por distorções certeiras e letras em bom português, para fã nenhum botar defeito -, a faixa, que não é lá tão nova para quem segue o trabalho dos caras (foi apresentada durante turnê pela Califórnia, no início do ano passado), acrescenta nuances de shoegaze e post-rock, além dos ruídos já tradicionais do trabalho do quarteto. A voz de Fernando Almeida, o Dinho, continua ácida, construindo linhas melódicas próprias e que se encaixam como luva nas canções.
Se a Tropicália subverteu algumas regras e jogou brasilidade no caldeirão do rock psicodélico, a Boogarins se aproveita disso, resgata uma essência musical universal, tempera com o que tem de melhor e deixa a esperança que, mesmo saindo próximo ao final do ano, Manual tem tudo para ser um dos melhores discos nacionais de 2015.