Esse texto poderia começar com um bando de clichês: “a velocidade das informações na era da internet”, “a web 2.0 mudou nossa forma de se relacionar e consumir” e tudo isso, pois esse é realmente um texto sobre as novas formas de consumo que a internet nos propôs, mas especialmente no caso do consumo de músicas.
Os discos hoje são lançados, em sua maioria, às sextas-feiras, obedecendo ao padrão atual dos sistemas de streaming, aí já sabemos que sexta pela manhã é hora de ouvir novos lançamentos e já formar nossas opiniões rápidas (os mais afoitos já ouvem os lançamentos à meia-noite de quinta pra sexta).
Normal que criemos nossas opiniões rápidas sobre a enxurrada de lançamentos da sexta-feira, o complicado é que esse tipo de “informação veloz” tem se aplicado ao jornalismo cultural: em menos de um dia já pululam textos de muitos parágrafos sobre os discos, com definições rápidas e velozes.
Um dos últimos casos foi o do disco Utopia, de Björk: mal vazou (ilegalmente) o disco da islandesa e já tínhamos textos longos debatendo o trabalho, numa pressa desmedida, que soa bastante rasa perante trabalho tão complexo para os artistas. Eu, mesmo fã da Björk, ainda não tive tempo de digerir todo o universo de flautas & pássaros dela, tanto que ainda quero dar ao disco o tempo que ele merece.
De algum modo, certa velocidade é curiosa: Joanna Newsom, por exemplo, constrói canções que são quase pequenos poemas épicos, recheados de sutis easter eggs históricos e clássicos. Quando do lançamento do single “Sapokanikan”, em 2015, ela ficou surpresa que em menos de um dia os fãs já haviam decifrado diversas referências e citações presentes na canção e já haviam incluído as informações no site Genius.
De qualquer modo, isso é atitude de fãs, embebidos pelo ânimo de uma nova canção de seu artista preferido. A crítica musical, por sua vez, deveria servir a percepções mais complexas, a fazer paralelos, linkar assuntos e propor discussões em torno daquela obra, trabalho complexo e que demanda mais do que uma audição veloz em um disco.
Quando do lançamento de Rei Ninguém, de Arthur Nogueira, conversei durante um bom tempo com ele (papo que pode ser lido no Scream & Yell) e ele me comentou sobre como ele estranha essa velocidade com que os jornalistas escrevem e avaliam discos, tanto que ele me passou seu disco com bastante antecedência, para que eu fizesse a audição ainda antes de publicar qualquer coisa. Esse é um tipo de procedimento cada vez mais inusual: antigamente, jornalistas e redações recebiam os discos antes do público, ouviam, avaliavam e publicavam suas percepções em tempo relativamente próximo ao do lançamento.
É importante que pensemos em críticas e análises que deem o tempo necessário aos álbuns e trabalhos que pretendemos discutir.
Hoje em dia, com medo de vazamentos, todo mundo escuta os discos juntos, quando ele é lançado nas plataformas de streaming. E aí todo mundo corre para dar seus pitacos sobre o trabalho, pois querendo ou não, nós ficamos curiosos por opiniões, mesmo que velozes.
A Stereogum tem um sistema bastante interessante: álbuns aguardados e/ou vazados antes da hora são avaliados em uma sessão chamada “Premature Evaluation”, com textos que reúnem as informações obtidas até aquele momento sobre a obra e que não contém uma nota ou avaliação numérica. Nesse sistema é que eles fizeram as suas primeiras análises sobre o Utopia, de Björk.
Esse é um exemplo de que não precisamos tratar as avaliações prematuras como uma coisa necessariamente ruim, porém é importante que pensemos em críticas e análises que deem o tempo necessário aos álbuns e trabalhos que pretendemos discutir. A velocidade da internet e das opiniões do público não pode ditar algo do tipo “tenho que falar desse disco essa semana, na semana que vem ele já será coisa do passado”. É preciso um tanto de respeito ao trabalho do artista e ao próprio trabalho de crítica musical: não devemos ser tão rasteiros assim (e aqui me incluo nessa, pois já caí muitas vezes nessa cilada da velocidade), ouçamos mais nossos artistas preferidos sem tanta pressa, sem tanta necessidade de dizer amei ou odiei no mesmo dia.