Atualmente, é raro encontrar grupos que acreditam na fusão entre virtuose e improviso. Os anos 60 e 70 ficaram para trás e deixaram alguns exemplos memoráveis de artistas que escolheram esta combinação expansiva de pop, rock, soul, jazz, funk e experimentação. Procurando resgatar a essência que permeou este período, o power trio de Maringá Azulejo de Vênus lançou o EP 1971, um disco majoritariamente instrumental, em que as distorções da guitarra, os grooves do baixo e a acidez da bateria dão a tônica.
1971 foi gravado ao longo deste ano em formato ao vivo. Em virtude disto, o disco da Azulejo de Vênus pode ser visto sob diferentes perspectivas. Optei por considerar que o grupo, formado por Diego Lima, Leandro Henrique e Matheus Halabi, quis criar uma estética que nos remetesse a trabalhos ímpares como Are You Experienced?, LP de estreia do The Jimi Hendrix Experience, com menos refino de produção, propositadamente bruto, sendo muito bem-sucedidos. Ainda assim, as faixas que contêm letras saem um pouco prejudicas. As vozes ficam abafadas pelo peso do instrumental, o que nos leva a questionar a decisão de não as captar em separado. Por sorte, este pequeno detalhe não tira a qualidade do primeiro trabalho do trio.
O registro vai buscar em nossa memória afetiva todo aquele estranhamento frente aos poderosos riffs e improvisações de Hendrix, obviamente sempre guardadas as devidas proporções. 1971 parece querer levar o ouvinte a outra dimensão, explorando bastante o blues, o jazz e o rock psicodélico, encaixando de maneira sóbria o conjunto melódico do EP. O power trio, que também mantém um projeto de tributo ao guitarrista norte-americano, não esconde suas raízes em nenhum instante, e ainda assim é perceptível o esforço dos músicos em estabelecer uma identidade própria a partir de suas referências, mesmo que ainda bastante cobertas de suas referências.
1971 parece querer levar o ouvinte a outra dimensão, explorando bastante o blues, o jazz e o rock psicodélico, encaixando de maneira sóbria o conjunto melódico do EP.
Cada elemento adicionado a esta rica receita sonora resulta em uma espécie de explosão multicolorida, que nem as dificuldades de compreensão da letra rebaixam o brilho e a abundância do disco.
O futuro não chegou com 1971, nem fomos lançados ao passado, mas estamos diante de uma visão clara e excitante do que a música já foi e é capaz de proporcionar. É preciso, sim, ainda encontrar um mecanismo que permita transformar toda essa inspirada, excitante e, às vezes, perplexa potência sonora em algo próprio, um derivativo que nos permita entender o quão originais são, mas não restam dúvidas de que a chegada da Azulejo de Vênus proporciona uma experiência sonora rica, mesmo que ainda lhe falte algo fresco e só seu.