Talvez o Brasil não seja o principal, o maior ou melhor no que se refere à fusão musical (e não conhecer todas as cenas de música dos países deste mundão tornaria qualquer afirmação neste sentido imprecisa – sem contar tendenciosa), mas podemos afirmar sem muito risco de erro que poucas são as nações que se aventuram com tanta maestria em tal quesito.
Não necessariamente na esteira dessa antropofagia sonora, já que seus integrantes espalham notas há um bom tempo por estas freguesias, Curitiba viu (e ouviu) nascer a Bananeira Brass Band, cujo primeiro EP, #PotassioNeles, foi lançado em junho do último ano. Audryn Souza, Lucas Ramos, Bruno Brandalise, Hudson Müller, Lauro Ribeiro, Luís Fernando Diogo e Marc Olaf colocam um tempero local nessa ginga sonora.
A antropofagia musical, essa verve modernista, está presente no sangue do brasileiro desde muito antes de 1500 (e do Brasil ser – chamado – Brasil). Ainda muito identificada com o tropicalismo, a música feita em terras tupiniquins ganha força em novas ondas modernistas, especialmente no âmbito da música instrumental. O Bixiga 70 é o maior representante contemporâneo desse cenário, e é com ímpeto semelhante que os curitibanos da Bananaeira Brass Band escreveram (e tocaram) suas primeiras notas.
É uma festa sonora, um carnaval sonoro sempre dentro de época: a essência de nosso DNA festivo, capaz de fazer de todo e qualquer enlace musical um produto tipicamente nosso.
#PotassioNeles agrega diferentes ingredientes musicais, sem recorrer à construção de uma identidade restritiva. Suas quatro faixas celebram diversas influências musicais que aparecem recorrentemente na música nacional, mas também outras mais raras. Com raízes próprias, a Bananeira Brass Band também compartilha similaridades com o Bixiga 70, em especial as nuances de afrobeat que evocam o nome ímpar de Fela Kuti. Contudo, a riqueza do grupo curitibano parte da contribuição que dão a esta “afronta melodiosa”.
O ouvinte ainda receberá uma carga de referências africanas e caribenhas, base da rica (e controversa, para muitos) história de assimilações e apropriações culturais. Ouso dizer que é no flerte escancarado com a música cigana e étnica do leste europeu, com eco em artistas como Goran Bregović & His Wedding and Funeral Orchestra, Gypsy Kumbia Orchestra e Fanfare Ciocârlia, que os músicos assinam seu nome neste vasto campo que é a música instrumental.
Quem ouve #PotassioNeles logo sente que os músicos buscam pontos de partida, mas chegam a um estágio de algo novo sendo criado a partir disto. É uma festa sonora, um carnaval sonoro sempre dentro de época: a essência de nosso DNA festivo, capaz de fazer de todo e qualquer enlace musical um produto tipicamente nosso. E o melhor, sem para isso estereotipar sua musicalidade.
Se o leitor segue o disparate de não ter dado play em qualquer dos serviços de streaming onde seja possível encontrar o álbum da Bananeira Brass Band, sugiro que aperte o pequeno botão ao final deste artigo. É preciso abrir o coração e os ouvidos à música incomparável que os artistas paranaenses estão produzindo. E tudo, como já disse, por estas freguesias.
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