Justin Vernon é o protagonista da fantasia folk perfeita. Em um curto período de tempo, a sua banda se separou, ele teve mononucleose infecciosa e a namorada terminou com ele. Como forma de arejar as ideias, e se recuperar desses baques todos, Vernon se isolou em uma cabana nas florestas de Wisconsin. Nela, passou o inverno todo compondo e gravando o que seria o álbum que o tornaria mundialmente conhecido, não como Justin Vernon mas como Bon Iver (adaptação de bon hiver, francês para “bom inverno”).
Nesses quase dez anos que marcam o lançamento de For Emma, Forever Ago (2008), Bon Iver se firmou como um dos maiores nomes do folk contemporâneo. Mais do que isso, ele também se dedicou a destruir o gênero, constantemente rompendo as barreiras do estilo, para, no final, construir dos destroços uma sonoridade única.
Resumidamente, For Emma, Forever Ago nos transporta para a mesma cabana na qual o trabalho foi concebido. São 37 minutos de inverno e corações partidos. Durante as nove faixas, é possível sentir a fragilidade e a solidão de Vernon como se estivéssemos presentes ali, junto com ele, enquanto ele compunha e gravava essas canções. Os belíssimos falsetes que se sobrepõem e preenchem os vazios criados no meio dos arranjos mais crus do disco, resumem o espírito do folk: um cara com a vida ferrada e um violão na mão.
No decorrer do álbum, no entanto, já é possível notar alguns dos elementos que passariam a protagonizar as canções futuras desse projeto. Sopros e metais aparecem aqui e ali, assim como percussões eletrônicas e um uso tímido de auto tune na faixa “The Wolves (Act I and II)”.
Bon Iver se firmou como um dos maiores nomes do folk contemporâneo. Mais do que isso, ele também se dedicou a destruir o gênero.
De qualquer forma, o lançamento do sucessor de For Emma, em 2011, causou certa estranheza – mesmo sendo muito bem recebido pela crítica. O álbum homônimo é muito mais expansivo do que o anterior. A atmosfera ainda está dentro do folk, mas o violão e os arranjos mais despojados são substituídos pelas guitarras e uma instrumentação sofisticada.
Acompanhado de banda, Vernon explora as possibilidades que tinha apenas experimentado no seu trabalho de estreia. Os metais ganham protagonismo e são incorporados de maneira criativa dentro dos arranjos, contribuindo na construção da atmosfera de cada música. Começam a entrar em jogo os sintetizadores e elementos eletrônicos – as faixas “Hinnom, TX” e “Beth/Rest” flertam com as baladas pop oitentistas, por exemplo – marcando a mistura do folk com gêneros distintos como o chamber pop.
Para o desespero dos fãs, durante cinco anos, Justin Vernon não lançaria nenhum material inédito, tirando uma ou outra participação em faixas de outros artistas como Kanye West e James Blake. Essas participações por si só já eram um indicativo de que tipo de música estava influenciando ele.
No ano passado, quando começaram os rumores de que um álbum novo de Bon Iver estaria a caminho, muito se especulou como ele soaria – afinal, cinco anos é um tempo relativamente longo. A resposta veio logo e pegou todo mundo de surpresa com o lançamento dos singles “22 (OVER S∞∞N)” e “10 d E A T h b R E a s T ⚄ ⚄”.
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Os elementos eletrônicos, agora, eram os protagonistas, dos sintetizadores aos moduladores de voz. Desde o projeto gráfico, até a sonoridade e as letras do álbum, 22, A Million todo soa confuso e fragmentário. As narrativas e letras confessionais deram lugar à abstração. A produção lo-fi, meio amadora, de For Emma, Forever Ago e o perfeccionismo do seu sucessor se misturam nesse novo trabalho. Vernon explora elementos dissonantes, incorporando sons falhados e corrompidos como estética. Como na faixa “29 #Strafford APTS” na qual os vocais soam picotados e estourados diversas vezes ao longo da música, se mesclando aos elementos eletrônicos e ao banjo que integram o arranjo. Ou então em “715 – CREEKS”, uma canção a capella em que os várias faixas de vocais distorcidos se sobrepõem.
A questão é que, por mais que pareça, nada está ali por preguiça ou amadorismo. Tudo isso é fruto de um processo que Justin Vernon continua aperfeiçoando: a desconstrução do folk. Ele não é mais o sujeito barbudo que passou o inverno isolado em uma cabana. Ele tornou-se um artista disposto a arriscar e expandir os limites do gênero até o ponto dele se tornar irreconhecível.
Porém, mais do que a sua inventividade e criatividade como músico, o maior mérito de Vernon continua sendo o de ter conseguido preservar a alma do folk, mesmo no meio de todo o caos eletrônico, experimentalismos e abstrações que se tornaram a base desse projeto. Acho que é seguro dizer: Bon Iver é realmente o futuro do gênero.