Como se estabelece um padrão? Padrões realmente têm conexão com as ruas e a “vida real”? Vivemos tempos sombrios, e isso não necessariamente se restringe ao caso do impedimento contra a presidente. O buraco é mais embaixo, muito maior.
O Congresso brasileiro, um dos mais conservadores da história do país, aprovou projeto que propõe regras jurídicas para definir quais grupos podem ser considerados uma família perante a lei, o tal Estatuto da Família. Pois bem, mediante uma visão em tudo se resume ao limite torpe da visão heteronormativa de mundo, é extremamente necessária a presença de vozes dissonantes, novos atores sociais e artístico-culturais capazes de estremecer as bases dessa visão distorcida sobre as relações e os direitos humanos.
Caio Prado é um destes personagens, capaz de extrapolar os limites de personagem político – não sob um estatuto de quem pratica a política, mas de quem se posiciona frente aos fatos da vida – e fazer de sua música uma pepita preciosa, uma arma potente, sem didatismo. “A música sempre foi e tem que ser um movimento político”, afirmou em entrevista à Fernanda de Andrade, do Jardim Elétrico. “A música está a serviço de um processo evolutivo”, completou.
Carioca, Caio formou-se na Escola de Música Villa Lobos, centro de referência no ensino da música. Em 2014, entregou o poético Variável Eloquente, trabalho em que utiliza seus versos para detalhar dores, incompreensões, lamentos, reflexões, elementos que surgem sem sutileza, bem escancarados, abraçando o ouvinte com sua sensação de acolhimento, de saber o que corrói a alma nos dias turvos desse conservadorismo abjeto do Brasil. “Eu procuro dizer versos que tenham algum sentido para alguém, que mexam com essa pessoa. A música está a serviço de um processo evolutivo”, afirmou na mesma entrevista citada acima.
Produzido por Clemente Magalhães e Maycon Ananias, Variável Eloquente escapa de exageros e segue à risca a arte poética do músico, fazendo que seu trabalho vocal e os arranjos escolhidos casem em suas composições. Melodias flutuam e as letras possuem um peso intímo, uma espécie de refúgio de Caio, como se ele fizesse delas uma defesa, onde a paz é possível, principalmente a partir da reflexão sobre o que se sucede em sua vida ou à sua volta.
Ao falar de amor, Caio Prado evidencia a necessidade de um amor maior, o próprio. “E dessa abstinência que invade / Camuflada de saudade / Sinto falta de ser meu”, canta em “Lamento”. Como “prometido” pelo músico, sua poesia gera reflexão, reforça o poder da música em transmitir mensagens.
Carioca, Caio formou-se na Escola de Música Villa Lobos, centro de referência no ensino da música.
E, ainda que beire o cruel apontar uma única faixa capaz de sintetizar a mensagem de Caio, “Não Recomendado” é um desnudamento frente à sociedade, uma carta aberta à sociedade, um grito à reflexão de uma sociedade dicotômica, que agrega e segrega, que abraça e negligencia, que exige liberdade, mas censura o que não é recomendado à sociedade.
Em uma semana que inicia após um muro nos dividir pela incapacidade de aceitar e conviver com opiniões distintas, há, sim, um propósito em convocar o leitor a ouvir um músico que quer que você reflita. Ainda tão pouco acostumados a pensar, talvez seja uma boa forma de começar a exercer uma postura política nos forçarmos a ler o que diz a placa de censura no rosto de nosso semelhante. A música está realmente a serviço de um processo evolutivo, e a evolução é (ou deveria ser) um caminho sem volta.
NO RADAR | Caio Prado
Onde: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Quando: 2013
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