Lançado no dia 7 desse mês, Hug f Thunder é o primeiro álbum do Broken Social Scene em sete anos. Desses sete, dois a banda passou fora dos palcos, e, preciso mencionar, o último show antes desse longo hiato foi no Circo Voador, no Rio de Janeiro. Eu estava lá.
Apesar de já me considerar uma apreciadora moderada do grupo e ter uma enorme curiosidade sobre como os numeroso membros da banda iriam de fato caber no palco (atualmente, a banda conta com 15 músicos), o show foi arrebatador. Quase três horas de fôlego e empolgação como nunca vi na vida. Ao final, dois emocionados (e bastante alcoolizados) Brendan Canning e Kevin Drew desceram do palco e começaram a abraçar a plateia. Por que eu estou dizendo isso? Porque acho que poucas coisas dão a dimensão do tipo que banda é o Broken Social Scene como essa performance e essa história.
Formada em Toronto em 1999, o Broken Social Scene teve origem a partir de uma outra banda, o KC Accidental, projeto que uniu pela primeira vez Brendan Canning e Kevin Drew, além de Charles Spearin, que hoje também é membro do Broken Social Scene. Desde o princípio, o grupo chamou a atenção devido à grande quantidade de integrantes, o que conferiu ao som uma identidade bastante particular, algo entre o indie rock tão popular dos anos 2000 e o experimentalismo do post-rock , com uma levada hippie, harmonias vocais inesquecíveis e letras densas.
No BSS, o excesso sempre foi considerado um trunfo, e as instrumentações cheias das faixas logo alçaram o grupo à fama. Considerado queridinho de toda uma geração de indies, o BSS lançou as carreiras de Leslie Feist e Emily Haines, que se juntaram novamente ao grupo para as gravações de Hug of Thunder. É a voz de Haines que abre o álbum em “Protest song” cantando “Just take it, just take it like you’re strong/ You’re just the latest in the long list of lost loves”, provavelmente uma das melhores do álbum, e cujo o arranjo e produção lembram exatamente porque as rádios escolheram essa formatação de 3 a 4 minutos em média como a favorita para divulgar músicas de trabalho. Em “Protest song”, o excesso é o trunfo, e a letra enxuta só serve para transformar a faixa em hino imediato, impossível de não ser cantarolado após a terceira ou quarta audição.
É como se o preço a ser pago pela multiplicidade sonora, pelos numerosos e talentosos instrumentistas fosse a ocasional perda de foco.
O BSS atingiu um patamar distinto em Hug of Thunder. Seu antecessor, Forgiveness Rock Records, já podia ser considerado um trabalho mais elegante e polido que os álbuns anteriores da banda, apesar de a espinha dorsal do projeto ser o perdão e o fato de que isso não é um assunto abordado pela maioria das bandas de pop e rock da contemporaneidade.
A impressão que Hug of Thunder passa é que não existe nada que tenha acontecido os últimos anos que não tenha reverberado nas letras do grupo. Desde a solar – ainda que desiludida – “Halfway home”, que canta “and you’ll forget/Call out for a change/ But not believe in anything” até “Cause I know/ You’re never gonna be/No you’re never gonna be that word”, em “Skyline”. Em praticamente todas as faixas é possível ouvir a pluralidade instrumental rica da banda, que soa muito mais investida em fazer faixas menos abstratas e experimentais como no começo da carreira.
Uma outra grata surpresa são os vocais de Ariel Engle,a nova integrante, que por vezes quase podem ser confundidos com os de Leslie Feist. É Ariel que canta “Stay Happy”, faixa cujo refrão hipnótico chega a soar realista face ao pano de fundo principal do álbum. “Hug of Thunder”, a faixa-título, é cantada por Feist, e é a primeira faixa que a cantora grava com o grupo desde 2005, já que em Forgiveness Rock Records ela apenas teria participado como backing vocal. “Hug of Thunder”, faixa que dá título ao álbum, marca simultaneamente seu ponto mais alto, misturando uma série de elementos que estão presentes desde o primeiro acorde, e o princípio de seu declínio.
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Tanto “Towers and Masons” quanto “Victim Lovers” não são tão marcantes quanto suas antecessoras. Como se o ritmo fosse nitidamente diminuindo conforme vai se aproximando do fim, o que também sempre foi característico dos álbuns da banda, Hug of Thunder parece soar como se fosse seu próprio lado B. É como se o preço a ser pago pela multiplicidade sonora, pelos numerosos e talentosos instrumentistas fosse a ocasional perda de foco.
Não é como se as últimas faixas do álbum fossem ruins, mas a impressão que dá é que tudo que foi lentamente trabalhado e destilado nas letras e na musicalidade até o meio, fosse comprimido violentamente até o final, gerando um produto não tão memorável assim. Claro, ainda assim, estamos falando de uma banda muito acima da média e, por mais que as últimas faixas sejam mais fracas, elas não prejudicam tanto o resultado final. Hug of Thunder permanece como uma pérola barroca, uma audição ímpar como só o BSS poderia proporcionar.