Sexo, drogas e ostentação. Esse parece ser o tripé para dois dos gêneros musicais que mais têm crescido no Brasil e EUA respectivamente: o funk e o trap. Na verdade, ambos extrapolaram o título de “gênero musical” para se tornarem verdadeiros fenômenos culturais. As semelhanças entre eles vão longe.
O trap rap começou a se delinear no início da década de 1990, no sul dos Estados Unidos, mas foi só nos anos 2000 que começou a ganhar o mainstream. Musicalmente, o estilo se sustenta na força dos subgraves e potentes bumbos eletrônicos, salpicados com elementos mais agudos em tempos triplos — normalmente chimbais e caixas.
A palavra “trap” em inglês é usada como uma gíria, um coloquialismo, que se refere a um lugar onde se vendem e se usam drogas. O que explica o conteúdo das músicas que integram esse estilo. O tema geral sempre acaba sendo as drogas, mas também o universo que as envolvem, como o tráfico, a vida na periferia mas também o sexo e a ostentação.
Hoje, os dois estilos que surgiram e se popularizaram entre a população mais pobre dos dois países, viraram verdadeiras commodities culturais.
A narrativa do funk brasileiro, apesar de mais antiga, também é bem parecida. Tudo começa com os bailes nas favelas cariocas, lá nos idos anos 1970, quando rolavam os “bailes da pesada” nos quais tocava o funk e o soul norte-americanos. Ao longo das décadas que se seguem, a música eletrônica, o soul, o R&B romântico e o miami bass formam o caldeirão de influências que vão moldando o funk brasileiro — hoje também marcado pela predominância dos subgraves e batidas repetitivas, tal qual o trap.
Além disso, vale destacar que os temas das músicas também passam por várias mudanças nesse meio tempo. O estilo teve suas vertentes mais românticas, outras engajadas em falar do cotidiano das comunidades do Rio, assim como aquelas com foco sobretudo nas drogas, sexo e dinheiro (o funk ostentação manda lembranças!).
DJ Marlboro, uma das figuras centrais no surgimento do funk como conhecemos hoje, afirma que a fusão entre eletrônica e soul da música “Planet Rock”, de Afrika Bambaataa e Soulsonic (1982), foi a principal influência para o surgimento do funk carioca. Curiosamente, esse single também é considerado o embrião que deu origem ao movimento hip hop.
https://www.youtube.com/watch?v=hh1AypBaIEk 
Hoje, os dois estilos que surgiram e se popularizaram entre a população mais pobre dos dois países, viraram verdadeiras commodities culturais. Em 2017, o número de ouvintes de funk no Spotify cresceu em 276%. O canal no YouTube do Kondzilla (a produtora audiovisual mais visada pelos MCs que querem impulsionar a carreira) já passou dos 30 milhões de inscritos — lá, os clipes passam de um milhão de visualizações em 24 horas. No geral, o gênero só fica atrás do sertanejo.
Nos EUA, o trap segue um caminho parecido. Ele extrapolou o nicho e hoje é difícil encontrar um álbum de rap que não tenha ao menos um beat inspirado nesse gênero. Nem DAMN, de Kendrick Lamar, escapou — a faixa “GOD” é um bom exemplo disso. Nomes como Lil Pump, Future e Young Thug figuram não só entre os vídeos na casa das centenas de milhões de visualizações no YouTube, como também aparecem nas paradas da Billboard com certa frequência.
Além de tudo isso, é engraçado notar como as críticas feitas aos dois estilos são muito parecidas. Quase todas estão relacionadas à falta de conteúdo das músicas e a suposta falta de valor cultural duradouro, ou complexidade mesmo (que seja), de ambos. As críticas são compreensíveis, especialmente tomando em conta a dimensão que o trap e o funk tomaram, o que faz com que surjam novos artistas dias após dias em busca de um lugar ao sol — a saturação é inevitável nesse ponto.
Mas mesmo com essas ponderações, é fácil entender o sucesso desses gêneros. Eles conquistam por serem estilos que passam um certo descompromisso. As letras repetitivas e grudentas, o baixo potente e ritmado, a combinação disso tudo gera uma música fácil de digerir, de decorar e de se envolver. É música feita para entreter, não para ser eternizada pelos críticos e estudiosos de arte. E o entretenimento tem sim seu valor como manifestação cultural, mesmo que não nos agrade.