Duas coisas são fato na história do Coldplay: 1) São amados e odiados com a mesma intensidade e proporção; 2) Está anos-luz distante da sonoridade do início de carreira.
Dificilmente o Coldplay passa incólume à opinião alheia. Mesmo as pessoas que costumam “fazer a egípcia” para o grupo normalmente torcem o nariz quando o dial manda “Clocks”, “The Scientist”, “Yellow”, “Fix You” ou qualquer ou hit do grupo londrino. É bem verdade que boa parte desta culpa é da própria banda, mesmo que seja compreensível. Quem, em sã consciência, deixaria de fora do setlist de shows ao redor do mundo – pelos quais foram muito bem remunerados para cantarem todas essas canções chiclete – suas principais músicas na opinião dos fãs? Ok, exemplos não faltam de artistas que tenham feito isso, e é daí que sai a afirmação de que o grupo tem responsabilidade por sua torcida de nariz.
Já fui alguém que ouvia repetidas vezes as canções do Coldplay. Parachutes apresentava uma banda com uma sonoridade diferente do que estávamos acostumados a ouvir lá no ano 2000. A Rush of Blood to the Head foi um disco grandioso. Chris Martin parecia crescer como letrista, enquanto o mundo já se acostumava com sua voz anasalada. Perdi a conta de quantas vezes deixei “God Put a Smile Upon Your Face” no repeat. “The Scientist” era uma canção bonita, dolorosa, mas que emocionava mais quando acompanhada de seu intrigante videoclipe. “Clocks”, bem, cansa depois de uma milésima vez, seja da versão original ou dos inúmeros remixes que a faixa ganhou, adentrando, inclusive, casas noturnas. E foi aí que a coisa perdeu o rumo.
Sem dúvida que muita gente abraçou um preconceito forte que existe com a música pop, que dificilmente ganha os fones de ouvido, players e streamings do público dito “alternativo” e “descolado”. Mas é um tanto verdade que Chris Martin e companhia perderam a mão de X&Y (2005) em diante. O Coldplay tentou ser gigante, o novo U2 – já que o Muse se esforça em ser o novo Queen. Aí já viu. As influências eletrônicas ganharam cada vez mais espaço, vide “Life in Technicolor” e “Lost!” (Viva La Vida or Death and all his Friends).
Em ‘Hymn for the Weekend’, Martin divide vocais com a magistral Beyoncé, mas a verdade é que mal ouvimos sua voz. Um enorme desperdício do talento da cantora norte-americana.
Procurando dar uma contornada nisso, Mylo Xyloto (2011) foi um trabalho puxado para a indietronica, cheio de riffs rápidos, sintetizadores e uma bateria mais ágil e acidental. Era um disco redondo, mas efêmero e, ao menos em minha opinião, um tanto falso. Mas o passo final da pisada na jaca foi Ghost Series (2014). Chris Martin realmente se sentiu um experimentador nato e de Björk a Beck, passando por pitadas de Moby, fez um disco estranho, seja quando analisamos as letras, todas trabalhadas em rimas pobres e que privilegiam as repetições de terminologias, como num bate-estaca. E isso que era um disco inspirado em seu divórcio.
Ciente da pisada na bola, o grupo não esperou muito para botar na rua A Head Full of Dreams. O que temos é um álbum redondo, muito bem produzido (pelo duo norueguês Stargate) e com participações especiais, como Beyoncé e Noel Gallagher. Em entrevista ao Telegraph, Martin sintetizou o que o novo disco representa: ruptura definitiva com qualquer possibilidade de fazerem rock. “Sentimos que o rock já acabou. O futuro da música são novos sons e novos tratamentos de voz”, disse o músico. “Talvez só fizemos rock uma vez… e por 10 minutos”, completou.
“Adventure of a Lifetime” foi o primeiro single, que mostrou que o grupo faria um pop mais eletrônico, quase disco, com camadas de Daft Punk – mas sem a elegância dos franceses. “Birds” foi disponibilizado recentemente como segundo single. Dela, a melhor coisa é o videoclipe, inteiramente rodado com uma câmera Super 8. Em “Hymn for the Weekend”, Martin divide vocais com a magistral Beyoncé, mas a verdade é que mal ouvimos sua voz. Um enorme desperdício do talento da cantora norte-americana.
O Coldplay quis fazer de A Head Full of Dreams um disco alegre, cheio de canções sobre sonhos, união, diversão, mas repete o erro de subestimar o rock enquanto gênero. Sem dúvida que a música mudou, mas são os inconformados com a “situação” os responsáveis por criar novos horizontes, romper com convenções. Chris Martin e seu Coldplay apenas assumem que o interesse é estar nas rádios para fazer shows e, assim, ganhar dinheiro. Óbvio que não há problema algum com isso, é totalmente justo. Mas quem acompanha o mundo da música sabe que os gostos e as modas – ditados pela própria indústria da música – mudam frequentemente. Há um risco de o grupo borrar o pouco de história que seu nome construiu. E aí, bem, vai continuar sendo a “banda da turma do sapatênis”.
Ouça A Head Full of Dream na íntegra
https://open.spotify.com/album/3cfAM8b8KqJRoIzt3zLKqw