Apreciar o rap é uma arte que nem todo mundo possui, é fato. E quando o assunto é o rap internacional, às vezes a situação se agrava. Afinal, diferentes contextos, diferente idioma. Mas é difícil passar incólume ao rapper $ilkmoney, nome talentoso da cena norte-americana, cujas letras não se furtam a atacar autoridades e poderosos, quando não a analisar sua própria existência como artista – e a de seus pares, quando se debruça sobre a arte em si.
Sua trajetória começa em Richmond, na Virgínia, onde formou o Divine Council, grupo de rap em que dividiu espaço com Cyrax!, ICYTWAT e Lord Linco. Com o quarteto, foram dois EPs, que nunca serviram como desculpa para fugir do desejo de seguir seu rumo solo.
$ilkmoney publicou individualmente um EP (Wan Lovey: A Love Story) e quatro álbuns de estúdio, sendo o últimos deles I Don’t Give a Fuck About This Rap Shit, Imma Just Drop Until I Don’t Feel Like It Anymore, publicado em novembro. Uma das características que mais chamam a atenção, além, óbvio, de seu talento, é a maneira como ele segue um processo de estranhamento acerca do próprio sucesso.
Não é incomum acompanhar as entrevistas de $ilkmoney e vê-lo narrar o espanto com a fama. Em 2021, por exemplo, “My Potna Dem”, faixa de G.T.F.O.M.D: There’s Not Enough Room for All You Motha Fuckas to Be on It Like This, LP gravado em 2019, viralizou no TikTok: foi trilha sonora de mais de 1,6 milhão de vídeos e atingiu a marca de 650 mil streams por dia no Spotify.
À revista Rolling Stone, contou que não conseguia se dar conta do que estava acontecendo. “Eu estava no telefone com o CEO da Capitol Records, e ele me disse ‘você sabe que isso é um sucesso, né?’. Mas para mim, hit é algo que todo mundo gosta, entende e sente. Eu não sei como diabos é o sucesso”, afirmou, como quem diz “eu emplaquei uma, mas não quero ser um one hit wonder”.
Ouçam e entendam o que digo – e, mais ainda, o que ele diz, canta, grita.
Todavia, ainda que a repercussão lhe trouxesse shows, views e dinheiro, $ilkmoney parecia ligeiramente desconectado disso. “Gosto mais de ser ouvido do que visto”, disse na mesma entrevista. No disco de 2020, Attack of the Future Shocked, Flesh Covered, Meatbags of the 85, o rapper já parecia ter chegado ao ápico artístico, com um registro coeso, com um flow que funcionava perfeitamente com as batidas, unindo elementos mais jazzísticos e experimentais.
Eram canções ambiciosas, com produção mais complexa que os trabalhos anteriores, brincando com as letras na maior parte do tempo, sem o desejo de ser pretensioso ou provar o quão inteligente é. No entanto, I Don’t Give a Fuck About This Rap Shit, Imma Just Drop Until I Don’t Feel Like It Anymore vai além.
$ilkmoney é (às vezes excessivamente) prolixo, dando um senso de urgência às suas canções sem perder o foco afiado, nem mesmo seu senso de humor (observam o nome dos discos), nem sua entrega visceral são capazes disso.
O novo álbum é político, tem consciência de classe, raiva genuína ao que acontece com os pretos norte-americanos, a quem defende com pujança, sem com isso sacrificar sua personalidade cômica, menos ainda a postura inovadora pela qual seu rap se tornou conhecido.
É uma ferramenta bastante útil a de usar a indústria, para a qual não tem muita paciência, para transmitir sua mensagem. Se $ilkmoney faz música para os seus e “eventualmente” atinge outros, como diriam os Racionais MCs, “entrei pelo seu rádio, tomei, ‘cê nem viu”. É amor próprio à negritude, empoderamento, poder ao povo preto na forma mais pura.
O auge é o disco mais recente, que não deixaria de nenhuma lista de destaques internacionais do ano, mas a carreira do rapper fala por si. Ouçam e entendam o que digo – e, mais ainda, o que ele diz, canta, grita.
NO RADAR | $ilkmoney
Onde: Richmond, Estados Unidos;
Quando: 2015;
Onde: YouTube | Instagram | Spotify
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