Dentre todos os shows anunciados em 2015 e já programados para 2016, nenhum é mais vistoso (e caro) do que a tríade de apresentações que o inglês David Gilmour, ex-vocalista e guitarrista do Pink Floyd, fará em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre em dezembro. Mesmo que você prefira o Maroon 5, o Pearl Jam, o Morrissey, os Rolling Stones ou o Iron Maiden e não dê a mínima para o Floyd e seu rock progressivo, este é o único grande show de uma grande estrela do rock que nunca pisou na América do Sul.
Mais do que isso: enquanto diversas turnês são armadas para que bandas e artistas possam lucrar com sucessos do passado (caso dos Stones, por exemplo), Gilmour fez as duas últimas grandes turnês calcado sempre em novo material – e fez questão de tocá-lo ao vivo. Foi assim entre 1994 e 1995, no esteio do lançamento de The Division Bell, do Pink Floyd; foi assim, também, após o lançamento de On An Island (2006), o terceiro disco solo do músico, cheio de canções delicadas e com sua inconfundível técnica de guitarra viajante e blues. E será assim também desta vez – a única exceção foi 2002, quando ele excursionou com um show acústico).
A nova turnê foi planejada tendo em mente o ainda inédito Rattle That Lock (que será lançado este mês) e, ao que tudo indica, pelo que Gilmour já tem exibido ao vivo, contará com 70% das músicas do novo álbum solo. Ele, afinal, não vive de museu: o Live In Gdansk, que registra um de seus shows da última turnê, tem no repertório todas as faixas de On An Island.
Quer dizer… Gilmour quase não vive só de museu. Ele encaixará o material mais recente nos shows, mas não deixa de entregar alguns bons clássicos do Pink Floyd, como as imortais “Wish You We Here”, “Shine On Your Crazy Diamond”, “Time”, “High Hopes” e, claro, “Comfortably Numb”. Verdade seja dita, por mais que o trabalho solo do guitarrista seja de alto nível, a maior parte das pessoas que enfrentaram filas virtuais na semana passada para adquirirem seus ingressos estão pagando, coerentemente, para ouvir e ver o compositor executar esses mesmos clássicos que marcaram tantas pessoas e gerações.
Some-se a isso o fato de Gilmour só gravar e excursionar a cada 10 anos mais ou menos. Ele, que sempre foi muito discreto e não precisa gravar ou sair tocando em 50 países para pagar as contas, também está com uma certa idade (69 anos) e não se sabe se vai gravar mais alguma vez. E mesmo que grave, nada garante que terá disposição em tocar por aí, sobretudo viajando até a América do Sul mais uma vez. Ele não é o Keith Richards, minha gente.
Ao lançar ano passado o ótimo The Endless River, a grande peça instrumental do Pink Floyd, David Gilmour foi taxativo ao dizer que sim, seria o último trabalho levando o nome da banda. Quanto a Rattle That Lock, não há nenhuma afirmação dessas, por isso, a sua turnê não está sendo vendida como “a última”, como tantos já fizeram só para voltar ao show business anos depois (os exemplos aqui são vários, indo do a-Ha ao Simply Red e Eric Clapton). Recentemente, o Black Sabbath anunciou a The End Tour, dizendo que dessa vez será mesmo a última mesmo. Será?
“Que novos elementos musicais encontraram um espaço em suas músicas? Como soa, afinal, o David Gilmour de 2015?”
Para muita gente – eu inclusive –, assistir David Gilmour no Brasil, ao vivo, é uma oportunidade única. Além de presenciar o mestre tocando as músicas que eu mesmo já toquei tantas vezes no violão e na guitarra (aquela passagem de Mi menor para Sol em “Wish You Were Here”, o característico riff de introdução de “Shine On…”, o solo memorável de “Comfortably Numb”, etc), teremos a oportunidade de ver o compositor se relacionando com um material inteirinho contemporâneo. Que novos elementos musicais encontraram um espaço em suas músicas? Sua personalidade musical terá mudado de alguma forma? Como soa, afinal, o Gilmour de 2015?
Até onde podemos supor, pelas músicas que já ouvimos de Rattle That Lock, David está elegante como sempre, mantendo o bom gosto para as linhas de guitarra, se permitindo ser mais dançante e não abrindo mão de passagens de puro lirismo, combinando notas bem colocadas de sua guitarra, sem pressa nenhuma, com arranjos de orquestra. O novo disco merecerá uma análise muito mais detalhada em breve, mas, por enquanto, podemos afirmar que ele está mais diverso, musicalmente falando, mas ainda é aquele mesmo Gilmour que não dá ponto sem nó.
A produção que montará seus shows é a mesma que trabalhou nas últimas turnês do Pink Floyd. Além disso, a banda que o acompanha será quase a mesma da época de On An Island: Phil Manzanera (guitarrista do Roxy Music), Guy Pratt (baixista, casado com a filha do ex-Floyd, Richard Wright), Jon Carin (multi-instrumentista que já trabalhou com Roger Waters, também), Steve DiStanislao (baterista) e Kevin McAlea (tecladista que trabalhou com Kate Bush), que substituirá o posto antes ocupado por Richard Wright, morto em 2008. Para os brasileiros, será uma honra ver o curitibano João Mello no palco com Gilmour, tocando saxofone em todos os shows na América do Sul e também os especiais no Royal Albert Hall, em Londres. E ele tem só 20 anos. No restante das datas, Theo Travis (Steven Wilson, Robert Fripp) é quem assume o sax.