Toda cidade é um universo de possibilidades. Circular por diferentes lugares, esbarrar em pessoas de realidades distintas e observar o movimento é se colocar em contato, às vezes quase sem escolha, com o que habita fora do nosso universo particular. Ao mesmo tempo, também são essas aproximações que, muitas vezes, têm o potencial de nos fazer olhar para dentro e nos repensarmos. Foi inspirado por essa potência de contato e de encontros que nasceu o disco #ÉQueEuAndoDeÔnibus, do músico Diego Moraes, trabalho que é resultado de uma série de reflexões que surgiram nas viagens de Diego pelos ônibus do interior de São Paulo.
“Quando você entra no ônibus, entramos em um processo meditativo de silêncio e abrimos mais os olhos e os ouvidos. Abrimos mais o mundo ao redor involuntariamente”, contou o músico, que começou a prestar mais atenção ao seu entorno ao ouvir, no transporte coletivo, a história de uma mulher que contava sobre a perda do marido, vítima de câncer. Um processo que, paralelamente, também permitiu a abertura de Diego para suas próprias questões pessoais, o que acabou se refletindo na criação das doze faixas autorais que agora compõem o disco.
Apesar de não ser exatamente o primeiro disco de Diego (o músico lançou, em 2010, o álbum Meus ídolos, composto por versões de compositores que são sua inspiração), #ÉQueEuAndoDeÔnibus é o primeiro trabalho autoral do músico, que ganhou popularidade ao ser um dos finalistas do programa Ídolos, da Rede Record, em 2009.
Essa escolha por dar voz àquilo que surgiu em suas meditações foi ponto crucial de virada da carreira de Diego, que agora assume um caminho mais seu. “Com o tempo as coisas que eu queria dizer era diferente da ideologia do primeiro disco, tanto que a gravadora e o escritório não entenderam muito bem a escolha do repertório autoral e, por isso, eu acabei me tornando um artista independente”, explica.
A escolha por dar voz àquilo que surgiu em suas meditações foi ponto crucial de virada da carreira de Diego, que agora assume um caminho mais seu.
O resultado desse processo de autodescobrimento é um disco que bebe nas fontes do pop, do soul e da MPB, mas principalmente do jazz, gênero que sempre foi um dos preferidos do músico. Assinado por Eduardo Capello, #ÉQueEuAndoDeÔnibus também se destaca pelos arranjos de sopros e teclas, que dão força às canções e contribuem para evidenciar a potência vocal de Diego, um dos pontos altos deste trabalho.
Um outro aspecto que também ganha visibilidade nessa investida de Diego e merece menção é a política, aqui entendida em sentido amplo. Conforme o próprio músico explicou em entrevista, #ÉQueEuAndoDeÔnibus ficou parado de 2013 a 2017, período de grande instabilidade política no país. Parte dessa carga e dessas questões, somada à observação mais apurada do dia a dia, foram assimiladas pelo músico e transformadas em canções que falam sobre padrões e sobre aquelas dificuldades cotidianas que revelam muito sobre onde vivemos, como é o caso da faixa “Muderno”.
Nessa mesma linha, a temática de gênero também se faz presente. Destaque para a faixa “Não Recomendado”, música que fala sobre homofobia e que leva o nome do coletivo do qual Diego faz parte juntamente com os cantores Caio Prado, autor da canção, e Daniel Choudon. É quase como um grito coletivo, aqui expressado por uma voz.
Passo importante na carreira de Diego Moraes, #ÉQueEuAndoDeÔnibus é também um disco bastante sintonizado com o que vem sendo produzido com qualidade atualmente na cena independente nacional. É um trabalho de um artista que está fazendo suas próprias escolhas, mas sem se descolar dos múltiplos universos que estão no seu entorno. Vale a pena ouvir e cantar junto.
NO RADAR | Diego Moraes
Onde: Santa Bárbara do Oeste, SP;
Quando: 2010;
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