Amsterdã, 14 de junho. Depois de mais ou menos três quilômetros bem andados até o Paradiso Grote Zaal, local onde o Dinosaur Jr se apresentaria naquela noite, resolvo comer qualquer coisa antes da casa abrir. Atravesso certo congestionamento (de bikes) até a lanchonete mais próxima e peço um hambúrguer de peixe com suco de cenoura. Nem tudo é loucura em Amsterdã.
O segundo cliente a entrar no recinto foi um homem de mais ou menos quarenta anos, mas vestido como se nunca tivesse superado os vinte na década de 1990 – All Star branco surrado, cabelo comprido na cara, jeans básico, camiseta listrada – identifico um shoegazer. Troca algumas palavras com o atendente, irreconhecíveis aos meus ouvidos, e pega sua bandeja: hambúrguer de peixe e suco de cenoura. Parece que optei pela especialidade da casa. Rio sozinha.
J Mascis, Low Barlow e Emmet Murph chegaram finalmente fazendo justiça a todos os pares de protetores de ouvido sendo usados naquela noite.
Eram oito da noite e o sol ainda segurava o dia no Hemisfério Norte. Uma pequena fila se formava em frente ao Paradiso, um antigo e imponente casarão transformado em uma casa de shows, na beira de um dos canais da cidade. A banda de abertura (Deutsche Ashram) foi um duo local aparentemente muito elogiado pela crítica, com fãs famosos como Nick Cave e o próprio J Mascis, do Dinosaur Jr.
Não tinha visto fotos ou ouvido a banda previamente, mas não contive a surpresa ao ver no palco o rapaz que há vinte minutos atrás comia o mesmo hambúrguer com suco que eu na lanchonete do outro lado da rua. Ao lado de Ajay Saggar (guitarra), a vocalista Merinde Verbeek fez uma performance graciosa, cantando acima das distorções por minutos e minutos. O Deutsche Ashram trouxe um shoegaze eletrônico à la My Bloody Valentine, flertando também com o dream pop. Ótima apresentação.
A meia hora do lendário Dinosaur Jr ocupar o palco, reparo nos ouvidos das pessoas ao meu redor. Pode parecer estranho, mas foi inevitável notar que quase todo mundo estava usando protetores de ouvido, desses anti-ruído. Flerto com o palco: nove caixas Marshall distribuídas em um espaço não tão grande assim, sem contar os imensos amplificadores ao redor do ambiente. Um estalo de memória e lembro do que me contou um amigo que mora em Nijmegen, uma pequena cidade da Holanda. Em alguns shows, os holandeses têm o hábito de usar esses protetores de ouvido, evitando danos à saúde causados pela intensidade dos decibéis. Me senti como se estivesse na neve sem roupa apropriada.
J Mascis, Low Barlow e Emmet Murph chegaram finalmente fazendo justiça a todos os pares de protetores de ouvido sendo usados naquela noite. Abriram com o clássico “Thumb”, do disco Green Mind, e a partir de então foi descida em queda-livre. A apresentação teria sido impecável não fosse um problema técnico no microfone de Mascis. Infelizmente, a voz foi inaudível em alguns momentos e ficou abafada durante metade do setlist.
O bis ao final foi, para felicidade geral dos Países Baixos, a versão da banda para “Just Like Heaven”, clássico original do The Cure.
Real Estate em Berlim
“Os alemães são frios!”. Ouvimos (e por vezes até repetimos) estereótipos sobre os países em todo o canto do planeta, mas o público presente no Lido Club Berlin, no último 18 de junho, provou entusiasticamente o contrário.
Fui atrás, com muita expectativa, de uma apresentação da banda indie de Nova Jersey, o Real Estate. Berlim é uma das capitais mais cosmopolitas do mundo e de fato não existe nada melhor que se misturar num conglomerado de gente cantando e dançando para sentir a cidade. Ou ao menos uma de suas infinitas faces.
Aqui vale a pena soltar um grande spoiler do final. O Real Estate fez simplesmente um dos melhores shows que presenciei no último ano, mas com total ajuda do público e da acústica absolutamente impecável do local. A banda se mostrou muito confortável em palco, tanto quanto os veteranos do Dinosaur Jr na semana anterior.
É satisfatório para nós, ouvintes, sentirmos segurança de palco e consistência artística em bandas relativamente novas. Real Estate nasceu em 2009 e até então tem quatro discos gravados em estúdio, com forte destaque para Atlas, álbum de 2014, gravado no The Loft, estúdio do Wilco em Chicago.
Com uma sonoridade delicada e melodias limpas (e, por isso, quase radicalmente opostas ao Dinosaur Jr), a banda dá um longo respiro ao bom indie rock atual. Por sorte, a delicadeza do setlist não impediu momentos como o da foto acima, durante alguns dos oníricos solos de guitarra naquela noite.