Como alguém que escuta música mais de 80% do tempo que passa desperta – e talvez também parte do tempo que passo dormindo –, posso dizer sem dúvida que minhas preferências são muito mais anacrônicas que atuais. De tempos em tempos, no entanto, o acaso acaba me apresentando algo memorável.
Não me recordo agora se levada pelas sugestões do Spotify ou pela minha obsessão com as listas da Pitchfork, ouvi o novo do Dirty Projectors. Dirty Projectors (2017), lançado em fevereiro, é um álbum sobre um término. Confessional e intenso, o pano de fundo de todas as letras compostas pelo vocalista e leadman Dave Longstreth remetem ao fim do relacionamento com a ex-guitarrista da banda, Amber Coffman.
Ao longo das nove faixas, Longstreth desfia um rosário de declarações de amor, pedidos de reconciliação e reflexões amarguradas que parecem ter sido geradas pelo fim do namoro. O autotune da primeira faixa, “Keep your name”, de início, soa excessivo, porém, após ouvir o álbum em looping por alguns dias, tudo fez sentido. “Death Spiral”, definitivamente minha favorita, mistura as sonoridades eletrônicas ao R&B, enquanto a voz de Longstreth sobe e desce contra o fundo cantando “What’s left to say? It’s too late/We can’t rewind to when we were both open and amazed/Like a wide-eyed child’s smile/But it’s the end, we’re enemies, not friends/I don’t know your state of mind, mine’s good, bye”.
Longe de ser o álbum mais coeso da banda, é provável que esse seja o projeto mais autoral de Longstreth, que investiu profundamente na experimentação sonora, nos empréstimos musicais e, principalmente, na busca de uma sonoridade particular
Longe de ser o álbum mais coeso da banda, é provável que esse seja o projeto mais autoral de Longstreth, que investiu profundamente na experimentação sonora, nos empréstimos musicais e, principalmente, na busca de uma sonoridade particular, que coloca o álbum em questão num patamar distinto em relação à discografia da banda. “Up in Hudson” é uma viagem na qual a tensão da composição encontra o desejo de redescoberta de Longstreth, que relevou numa entrevista à Pitchfork que a fonte de um dos ruídos ouvidos à exaustão no fundo de algumas faixas do álbum é, na realidade, uma impressora 3D ligada a uma guitarra, naquilo que em bom português chamamos de gambiarra. Ao final, cada uma das faixas é uma experiência única e um mergulho na tentativa de Longstreth de lidar com o término de uma parceria longa e intensa.
Na verdade, por mais que eu reflita sobre música o tempo todo, confesso que, por vezes, tenho certa dificuldade em achar um ângulo para abordar um determinado álbum. Talvez porque eu ache que exista uma parcela do gosto musical que seja tão inata e pessoal, e por extensão completamente inacessível às fabulações psicanalíticas e teóricas, que por maior que seja meu desejo aqui de convencer cada um a dar uma chance ao álbum do Dirty Projectors, sei que nem todo mundo vai de fato gostar.
É provável que eu mesma não saiba ao certo definir porque o disco me agradou tanto, a combinação de R&B, a dissonância da voz contra o fundo eletrônico e a sensação familiar que já tive ouvindo tantos álbuns de uma das minhas bandas favoritas, o Nine Inch Nails, de que apenas um cara e seu Macbook de última geração produziram cada um dos sons que integram as faixas que estou ouvindo nesse momento. Para além disso, Dirty Projectors (2017) também é bastante bem-sucedido em trazer à tona que, em qualquer relacionamento, por melhores que as coisas possam parecer, o que desejamos é o desejo do outro, e sobre isso, infelizmente, não temos nenhum controle.