Por Bárbara Tanaka e Guilherme Villanova*, especial para A Escotilha
Curitiba é uma cidade musicalmente dividida. Isso ficou claro no evento cujo nome imediatamente traz a ideia de união e interdependência entre os mais diversos artistas locais, que se apresentaram em três palcos nos dias 7 e 8 de novembro. Este ano, a Corrente Cultural foi envolta pelo clima tipicamente ameno e chuvoso, mas também pôde dar espaço a suas duas facetas: de um lado, pudemos ver o antigo rock ‘n’ roll curitibano, isolado e em busca de afirmação em seu próprio território. Do outro, jovens cosmopolitas dispostos a levar o nome da cidade ao cenário nacional.
O primeiro grupo encontra em Lucian Araujo um grande defensor e adepto de uma onda com pegada punk, suja e obscura: o “rock n’ roll curitibano”. “Curitiba é só frio e facada, ninguém é feliz aqui”, dizia o músico enquanto acendia um cigarro, pouco depois de se apresentar no Palco Praça da Espanha, no sábado. Blueseiro assumido, Lucian se agarra a um estereótipo raro para o clima boêmio que se instaurou na cidade nos últimos anos. Os grandes óculos escuros não eram o único aspecto do músico que chamava a atenção: seu black power, os sapatos bicolores e o colar de dentes herdados da avó, que era mãe de santo, funcionam como exemplificação de uma antropofagia tipicamente brasileira.
Em dado momento podemos estranhar que, pouco tempo depois, no mesmo palco, se apresentaram Os Irmãos Carrilho. A dupla dos músicos Alexandre Provensi e Matheus Godoy (que não têm laços sanguíneos) tocaram o folk caipira característico da banda. “Não tem nada mais massa do que ver um pai e sua filha dançando a nossa música”, diz Alexandre, num tom tranquilo demais para quem acabou de terminar um show.
No domingo, o clima chuvoso não impediu as bandas curitibanas de trazerem uma atmosfera mais animada. Em palcos mais propícios para a interação com o público, os artistas tiveram como explorar a interatividade desejada quando uma “banda de casa” toca.
Curitiba é uma cidade musicalmente dividida. Isso ficou claro no evento cujo nome imediatamente traz a ideia de união e interdependência entre os mais diversos artistas locais.
No Palco Ruínas do São Francisco, Jenni Mosello e seu batom roxo vibrante contagiaram o público e o trouxeram para dentro de sua apresentação. Quando chamou a atenção para seu pai na plateia, que vendia CDs e vestia um moletom com a cara da filha, o clima do show estava montado. Ela dividiu o palco com vários amigos também da cena curitibana, como Marcelo Archetti, ex-The Voice, e trouxe um setlist animado e enérgico que levou o público a transformar a frente do palco em uma pista de dança. A jovem, que trancou a faculdade de Psicologia para se dedicar à música, cravou em grande estilo seu nome na lista de promessas musicais de Curitiba.
Algumas horas e quadras depois, no Palco Ivo Rodrigues, no Teatro Universitário de Curitiba (TUC), a banda Namorada Belga fez no mais humilde palco da Corrente um extrovertidíssimo show temperando o repertório autoral, que também incluiu músicas do próximo disco da banda. Além disso, trouxe releituras agitadas e urbanas de clássicos da MPB, como “Jorge Maravilha” e “Construção”, de Chico Buarque.
Em contraposição a Lucian e sua Curitiba melancólica, os artistas da tarde de domingo veem com otimismo o atual cenário musical da capital paranaense. No entanto, Lucas Sfair faz ressalvas quanto à receptividade do público underground curitibano à MPB. “Aqui em Curitiba a gente não pode colocar Chico & Tom na chamada do show que as pessoas já olham desconfiadas, mesmo que nossas versões sejam atuais e perfeitamente compatíveis com o rock daqui. Já lá fora, nós somos atração justamente por tocar essas músicas.”
E como fica o público no meio de tudo isso?
A Corrente Cultural reúne vários tipos de público. Desde os pais que resolvem levar os filhos para um programa diferente, até os fãs assíduos que acompanham as bandas há anos; um verdadeiro mix de reações em cada show. Alguns concertos de bandas locais tiveram status tão relevante quanto o de atrações do primeiro escalão nacional, a exemplo do show da banda Relespública, veterana curitibana que lotou o palco Mundo Livre nas ruínas do São Francisco.
Na Praça da Espanha, o público estava disperso e o show funcionava como um pano de fundo para as atividades na praça. No meio de foodtrucks, feiras de antiguidades e cercado de estabelecimentos comerciais, o palco se mostrava tímido, e as bandas tendiam a sumir no meio dos ruídos externos às apresentações. Os que estavam de fato interessados se reuniam em pequenos grupos à frente do palco, e suas palmas faziam muito mais do que as dispersas em outros setores da praça.
Nas Ruínas de São Francisco se encontrava o público mais heterogêneo dos três palcos de atrações curitibanas. Por estar ao lado da feirinha do Largo da Ordem, que por si só já atrai um grande número de pessoas todos os domingos, ali os shows tinham dinâmica própria. Na arquibancada se encontravam as pessoas munidas de capas e guarda-chuvas, e que já estavam preparadas para ficar ali durante o tempo que fosse. Na frente do palco aconteciam eventos únicos em cada show, como os dançarinos espontâneos de Jenni e os fãs de Relespublica que transformaram a pequena elevação em show à parte, se assemelhando ao público que a banda tem quando toca em shows fechados.
Já o menor palco também era o mais aconchegante. No TUC, as bandas estavam no mesmo nível do público e a sensação de distância era inexistente. Ambiente perfeito para bandas jovens e dinâmicas como a Namorada Belga, que conta com uma base de fãs para puxar coro na hora que o microfone é apontado para a plateia. Quando o show acabou e o vocalista concordou em falar conosco, a entrevista durou algumas vezes mais que o tempo das perguntas, pois a todo momento era interrompida para que Lucas pudesse cumprimentar amigos, conhecidos e pessoas que simplesmente curtiram muito o show. Momento digno de fim de domingo e do circuito da Corrente Cultural, que se encerrou confortando a todos em relação à cena curitibana, viva por si só ao conviver com suas múltiplas facetas.
* Bárbara Tanaka está sempre tentando fotografar o mundo nos seus múltiplos ângulos. Curitibana circa 1997 e estudante da UFPR, teve a arte como primeiro amor e hoje se vê em relacionamento crônico com o jornalismo.
* Guilherme Villanova foi fazer jornalismo porque tinha medo de fazer letras e acabou se encontrando. Morando há 18 anos no Centro de Curitiba, passa as tardes no Café da Comadre, onde vira garçom quando o movimento aperta. Estudante da UFPR, se interessa particularmente por entrevistas e jornalismo literário.