Nas últimas semanas, os sites de celebridades (bem mais que os de música) reverberaram uma “briga” entre Elba Ramalho e Marília Mendonça, naquilo que foi classificado como um embate entre divas defendendo seus gêneros musicais, o forró e o sertanejo, respectivamente. Como na maioria das tretas entre mulheres disseminadas pelos cadernos de celebridades, o cenário é bem mais complexo e expõe um sério debate sobre o mercado musical no Brasil, em especial acerca da dominação do sertanejo, em especial de sua vertente denominada sertanejo universitário.
O início de tudo nem envolve as duas artistas, mas, sim, uma campanha chamada Devolva Meu São João (leia a respeito e entenda), criada por sanfoneiros de vários estados do Nordeste e disseminada via redes sociais. A campanha busca chamar atenção para a dominação do sertanejo na programação das festas juninas de diversas cidades, inclusive usando a frase de efeito: “São João não é festa de peão”.
A manifestação dos sanfoneiros busca a valorização de gêneros como baião e forró pé-de-serra nos eventos juninos, que são, em sua maioria, patrocinados pelos órgãos públicos. Em uma entrevista, Elba Ramalho, que não é uma artista restritamente de forró, resolveu comentar essa campanha e falou sobre o equilíbrio que deve haver nas programações de São João, reafirmando que esta não é a festa do peão.
Marília Mendonça. Foto: Reprodução.
Pronto, estava feita a celeuma: Elba Ramalho ataca artistas sertanejos!
Marília Mendonça tomou as dores desse “ataque” e em sua apresentação no Recife disse que terá “sertanejo no São João sim, porque quem quer é o público”. Além disso, em entrevista a Globo, Mendonça afirmou que “quem tá com trabalho legal terá portas abertas em todas as regiões do Brasil. O segredo é música boa”.
A fala de Marília Mendonça pode ser interpretada de duas formas: ou ela é muito ingênua sobre a situação do mercado musical brasileiro ou ela realmente foi maldosa em relação às reivindicações dos músicos, pois desconsiderar que o sertanejo domina o mercado de forma desigual e considerar que isso é apenas uma demanda do público é pura ignorância.
O sertanejo atualmente lida com cifras milionárias e domina shows, festas e rádios pelo país e, sabemos bem, que nem todos os músicos desse balaio têm qualidade, muitos apenas são empurrados por essa overdose do ritmo nos quatro cantos – empurrados, claro, via muito jabá. Nesse sentido, as prefeituras buscam nesses artistas uma forma simples de trazer mais público para seus eventos, mesmo que isso, pelo ponto de vista de alguns, descaracterize as tradições das festas juninas.
O que aconteceu, no final das contas, foi que o debate descambou para uma onda de xingamentos, como no caso do cantor Alcymar Neto, que falou que a música de Mendonça era apenas para “cachaceiros”. Nessa briga infantiloide sobre quem seria o melhor e mais genuíno gênero, o cerne da questão se perdeu.
Fica bem claro que a grande discussão em nenhum momento foi sobre a qualidade musical de ninguém, mas, sim, sobre o espaço de mercado de cada um. O São João, para além de seu significado histórico e cultural, é uma realização rentável para prefeituras e também para artistas, por isso esse debate se tornou tão acirrado, já que os artistas sertanejos estão “invadindo” um terreno que era teoricamente desses artistas.
Elba Ramalho. Foto: Reprodução.
A grande discussão em nenhum momento foi sobre a qualidade musical, mas, sim, sobre o espaço de mercado de cada um.
O fato é que forró e sertanejo são gêneros extremamente importantes para a cultura e para o povo brasileiro, isso é inegável. Mas é preciso atentar ao fato de que a indústria, nesse momento, está a favor da vertente do sertanejo universitário e, nesse cenário, até mesmo artistas de sertanejo mais clássico também seguem batalhando por espaços para tocar e, portanto, também defendem aqueles locais que são seus por definição. E estes são embates comerciais que continuarão a existir, esteja o sertanejo universitário nas paradas ou não.
Aliás, Marília Mendonça, ao considerar seu sucesso atual apenas pelo fator “boa música”, mostra grande ingenuidade, pois em algum momento esse boom do sertanejo universitário irá passar e ela se pegará no mesmo espectro de Elba: buscando encaixar sua música em meio aos sucessos do momento.
Criar-se uma celeuma dessas entre duas artistas populares é um meio de gerar notícias e views para cadernos de fofoca, porém, acaba gerando ainda mais tensões, como se fosse necessário que os fãs assumissem lados e partissem para uma batalha defendendo seus ídolos.
A demanda de Elba e dos sanfoneiros é completamente plausível num mercado dominado por um único gênero, isso é fato, mas também não se pode demonizar o sertanejo (e sua vertente universitária) como grande culpado de uma “destruição cultural nacional”, pois isso não é verdadeiro. Esse é um momento de muito sucesso para o gênero e é nessa onda que todo mundo quer lucrar, porém, isso não pode ser o catalisador para brigas que mais falam do ego de seus artistas do que realmente de música em si.