É quase incontornável pensar nos poetas Paulo Leminski e Alice Ruiz ao mergulhar no trabalho de Estrela Leminski, escritora e compositora curitibana, filha da dupla. Ainda que tenha desenvolvido uma carreira à parte da bagagem de seus pais, não é raro que os trabalhos se cruzem, como no projeto que resultou no (ótimo) disco duplo Leminskanções, de 2014, que continha músicas inéditas do pai e dele com alguns parceiros.
Nos mais de 10 anos de estrada musical, a maioria deles em dupla com o parceiro (de vida e de música) Téo Ruiz, Estrela conquistou o respeito e a admiração de colegas e da crítica, ainda que, até hoje, faltasse uma obra tão imponente e capaz de ser responsável por defini-la (e por consequência, a Téo) enquanto artista.
Anunciado já há um tempo e trazido ao mundo de maneira distinta do tradicional – 12 clipes, um para cada canção, liberados em forma de singles de abril a agosto deste ano, antes do lançamento oficial do disco -, Tudo que não quero falar sobre amor chega transcendendo a própria experiência transmidiática adotada pela dupla, assumindo a cara de uma obra orgânica, possível de ser compreendida (e assimilada) sob diferentes formas, vieses.
O certo é que Estrela Leminski e Téo Ruiz conseguem com seu novo trabalho um resultado muito mais que satisfatório.
Entre a poesia lírica das composições de Estrela Leminski e Téo Ruiz e o recorte temporal oferecido por suas canções, Tudo que não quero falar sobre amor funciona como um disco de contos, pequenas pílulas musicais que exprimem uma visão de mundo particular, uma dualidade que se estende e se ramifica através da extensa lista de colaboradores do álbum – foram 13 diretores de vídeo, 7 produtores musicais e mais de 100 pessoas envolvidas diretamente com o disco.
Em virtude do número elevado de produtores, é necessário compreender a obra dentro da mesma lógica, ou seja, sob um olhar múltiplo, já que Estrela e Téo caminham sobre diferentes ritmos, ora optando por arranjos mais delicados, ora recorrendo a uma complexidade sonora maior, mas sempre fincados nas referências amplas da MPB – uma terminologia difícil de ser aplicada em tempos que é quase impossível resumir o fazer musical popular brasileiro sem levar em consideração a influência por ele recebida de outros gêneros de massa, como o funk, o sertanejo e outras sonoridades regionais.
Ao mesmo tempo que as participações dos sete produtores oferecem elementos únicos ao disco (a saber: Guilherme Kastrup, Dante Ozzetti, Rodrigo Lemos, Marcelo Fruet, Fred Teixeira, John Ulhoa e Pupillo), elas deixam o registro descaracterizado, [highlight color=”yellow”]apresentando pequenos problemas de unidade e coesão.[/highlight]
Se individualmente as canções funcionam perfeitamente, em conjunto criam um pequeno ruído, curioso pela excentricidade da proposta (uma junção de ritmos e gêneros diferentes) e pela excelente produção, mas ainda assim estranho – o que talvez seja um desconforto estético e sonoro proposital, parte justamente da premissa da dupla para Tudo que não quero falar sobre amor.
O certo é que Estrela Leminski e Téo Ruiz conseguem com seu novo trabalho um resultado muito mais que satisfatório, que chega a flertar com uma tentativa conceitual, mas que, ao não a concretizar, fica muito mais interessante e acessível. Esse universo pop da dupla curitibana ganha ares mais universais, uma brasilidade sem excessos ufanistas, um pluralismo que apenas as idiossincrasias que nós carregamos são capazes de produzir. Estranho? Talvez. Belo? Certamente.