Quem assistia ao programa SuperStar (da Rede Globo) no último dia 03, provavelmente foi atropelado por um rolo compressor quando uma certa banda de Brasília chamada Scalene entrou no palco com a canção “Surreal”. Surreal, aliás, um bom adjetivo para descrever a reação de quem já conhecia o grupo e os viu receber a maior votação da noite no reality show. Era uma banda de rock já conhecida e bem elogiada no cenário alternativo chegando ao programa, que meses antes tinha premiado a deprimente banda Malta. Uma linha perigosa de se cruzar para quem tem uma certa síndrome do underground e sente receio quando o alternativo chega ao mainstream.
E então que no meio dessa exposição nacional, com elogios de vários públicos diferentes (de Paulo Ricardo ao pagodeiro Thiaguinho, passando por Sandy), a Scalene lança o seu segundo álbum de estúdio, o conceitual e grandioso Éter. É impossível pensar num timing melhor, com a exposição da banda em seu auge (uma busca rápida por “Scalene” no Google Trends prova isso) e antes de sofrer qualquer interferência do processo de homogeneização que toma a música brasileira.
Éter é potente do início ao fim, ao misturar momentos de leveza e outros de pura força, com a clara influência do Queens of the Stone Age desde o começo, seja nos riffs ou no vocal de Gustavo Bertoni. O disco é mais polido que Real/Surreal (2013), o trabalho anterior, e traz boas letras introspectivas. O duelo aqui não é homem contra amor ou homem contra sociedade, é, especialmente, homem contra ele mesmo. “Tantos padrões, imposições, afastam de encontrar nossa própria essência”, cantam na faixa inicial, a ótima “Sublimação”. São boas composições que giram na ideia de transcender e não só conhecer, mas criar os seus próprios limites.
Scalene não soa como trilha de novela – e isso é importante, tira o ouvinte da zona de conforto, é diferente, não é feito pensando no comercial de TV ou na facilidade de assimilação.
A explosão da Scalene levanta também questões sobre a estranha maneira com que parte da imprensa brasileira encara a música. O destaque no SuperStar já trouxe as comparações absurdas com a Malta, matérias sobre “o vocalista gato da Scalene” e outras bobagens que colocam a qualidade do grupo de lado. É um terreno de difícil caminhada, mas Éter é um disco firme o suficiente para se suportar no meio desse turbilhão e, a Scalene, uma banda madura o suficiente para manter o seu som. Assim, o resultado pode ser um sintoma interessante para o consumidor de música brasileiro, que agora impulsiona algo original.
Scalene não soa como trilha de novela – e isso é importante, tira o ouvinte da zona de conforto, é diferente, não é feito pensando no comercial de TV ou na facilidade de assimilação. Éter é complexo até no seu nome, que busca simbolismos através do conceito de éter para questionar vazios dentro de nós. No momento mais “pop” da banda até hoje, é o disco mais profundo do quarteto. É um caminho oposto ao que estamos acostumados, a ascenção para o gosto popular – com discos entre os mais baixados no iTunes, entre DJs e sertanejos – enquanto afasta o seu som do senso comum. Na hora certa e com a música certa, Éter é um grande disco de rock nacional para chacoalhar o ouvinte e gritar que nem tudo precisa ser igual.