Na última Festa Literária Internacional de Paraty, ou Flip, Benjamin Moser e Kenneth Maxwell, dois dos maiores brasilianistas, debatiam sobre o Brasil. Em certo momento, os escritores conversavam sobre o espírito nacionalista dentro do brasileiro. Para Moser, “os brasileiros são muito nacionalistas”, “aqui tudo veste as cores do país” e “tudo tem que ser em função de ser brasileiro ou não”. E o norte-americano, tradutor de Clarice Lispector, tem razão. Entretanto, com ressalvas.
A dicotomia do espírito nacional permeia nosso dia a dia. Enquanto precisamos ter honra em sermos nascidos aqui, amar futebol, samba e carnaval, também relutamos em abraçar certas características tipicamente brasileiras. No aspecto cultural também levantamos alguns muros, tanto em linguagens quanto em movimentos. No caso do rock, por exemplo, vemos os anos 80 como um delicioso saco de pancadas. Engenheiros do Hawaii? Chato. Barão Vermelho? Chato. Titãs? Chato. Legião Urbana? Chato “pra caralho”.
É bem aceitável que com gosto não se discute, até por isso é aconselhável evitar fazer juízo de valor. Acontece que quando negamos este recorte oitentista do rock and roll nacional expomos a fragilidade de nossos argumentos. É impossível pensar a música nacional (aqui, independente de gênero) sem considerar cada artista que participou desta época. E não, a questão não é só histórica, diz respeito, também, à qualidade.
Os primeiros trabalhos do grupo são realmente promissores, principalmente ao se construírem sob uma atmosfera (infelizmente) pouco usual no rock brasileiro contemporâneo.
Dito isso, não consigo não enxergar elementos muito claros da sonoridade de Barão Vermelho e Maior Abandonado, primeiro e terceiro álbuns do grupo carioca Barão Vermelho, na curitibana Expresso Vermelho. Tanto no EP Caos quanto no álbum Um, este último lançado em 2014, é possível notar relações sonoras. Longe aqui de afirmar que o quarteto procura emular a banda de Roberto Frejat; o que ocorre é um mergulho referencial, ainda que não proposital.
Os riffs de “Livre de Nós”, “Sangue e Petróleo” e até a serenidade de “Caos” impulsionam a obra da Expresso Vermelho, formada em 2011 e hoje composta por Jimmy Reuter, Dudu Drewinski, Maurício Escher e Yuri Vasselai. Na bagagem, além dos discos, a vitória no Festival Captura da Rádio Mundo Livre e uma carreira em que a liberdade surge como marca maior.
Os primeiros trabalhos do grupo são realmente promissores, principalmente ao se construírem sob uma atmosfera (infelizmente) pouco usual no rock brasileiro contemporâneo. Enquanto algumas bandas revisitam clássicos internacionais, aqui parece muito maior a potência de material com selo local, emergindo como protagonistas os timbres, mais originais por conta de seu contexto.
Se a cena musical se esforça em dinamitar as perspectivas de um rock mais malandro, mais inteligente e inconfundível, o quarteto curitibano vem na contramão, desconstruindo essas anedotas de mau gosto criadas pelo senso comum. Os toques contemporâneos também surgem em Um, em faixas que flertam com o indie (“Libertina”) e com o pop (“Estrada Errada”), rascunhando um semblante mais enérgico, com todo o vigor, peso e poesia que a nova cena curitibana possui – e que os novos tempos parecem exigir.
Limpe o ouvido e dê play.