Não é de hoje que se discute se o punk rock ainda mantém relevância na música. Uma força sem tamanho que tomou de assalto a música mundial no meio da década de 1970 e se espalhou ao longo dos anos 80, inclusive em território nacional, o gênero sofreu, como toda a “estrutura rock”, o impacto do crescimento vertiginoso do interesse comercial no hip hop, bem como a potência das artistas do pop. Entretanto, foi dentro de vertentes muito próximas que o punk encontrou os maiores adversários.
Distante de suas origens, o pop punk dominou a reta final da década de 1990, enquanto o emo foi o gênero mais encorpado do início dos anos 2000. Diametralmente opostos em essência quando comparados a seu predecessor, eles serviram para gerar uma dúvida sobre o quanto o punk ainda poderia sobreviver comercialmente. Junte a isso a dificuldade de muitos artistas do gênero, que guinaram a um viés mais comercial, criando uma sensação de traição nos antigos seguidores. Todo esse cenário precisa ser posto em perspectiva antes de analisarmos Faca Cega II, novo álbum dos curitibanos da Faca Cega.
Sequência de Faca Cega, de 2016, o novo registro segue a mesma estrutura já apresentada pelo grupo: canções curtas, letras das quais ira e revolta transbordam, bem como uma intensa frustração com o entorno, político e social, tudo isso em uma verborragia essencialmente agressiva. A grande reviravolta, no entanto, diz respeito à pegada do álbum.
Faca Cega II é mais seco, rude e urgente, menos cadenciado que o anterior. Mas a banda mantém, também, um passeio por diferentes recortes do punk rock, dando espaço especial para referências do punk rock do ABC, ainda que não sobressaia nenhuma ligação com a classe operária, como havia no movimento punk paulista.
A Faca Cega parece ter optado por andar na contramão do establishment musical, trafegando por um gênero que, mesmo não possuindo a mesma amplitude social, cultural e artística de 30 anos atrás, ainda se posiciona como ritmo e forma de expressão de contestação.
A Faca Cega parece ter optado por andar na contramão do establishment musical, trafegando por um gênero que, mesmo não possuindo a mesma amplitude social, cultural e artística de 30 anos atrás, ainda se posiciona como ritmo e forma de expressão de contestação. A ausência de holofotes midiáticos, por sinal, é o que confere esta liberdade estética e identitária. É nas sombras do desdém comercial em que a banda se apoia na perpetuação dessa cultura subversiva, engajada e questionadora, oposicionista à cultura convencional da modernidade musical.
Faca Cega II nos joga de volta em uma época que riffs e canções queriam mais que simplesmente entreter ou atuar como mera distração da realidade. Sua urgência imprime uma certa dose de angústia, mas também um pequeno alento. Ainda há espaço para se questionar na música contemporânea – e a partir do bom e velho punk rock.
Talvez a melhor resposta a toda pergunta sobre a relevância do punk seja um olhar mais íntimo à nossa realidade. Se há algo a ser contestado, especialmente sob o viés social, político e econômico, o punk segue fundamentalmente essencial – e, melhor ainda, no seu ambiente mais sagrado, o underground.