Jirón Carabaya, 945. É neste endereço localizado no coração de Lima, capital peruana, em frente à Plaza San Martín, que a Fútbol en la Escuela irá se apresentar. Do alto do palco, cercado por caixas de som, retornos e dois barris, o grupo tem vista para o público e o chão ladrilhado de preto e branco do Vichama Rock Bar, o bar que completa sete anos neste 2017 e tem sido reduto da alternatividade peruana.
É dezembro, sexta-feira que antecede o Natal. O quinteto formado em 2015 está pronto para executar as canções de Cancionero para víctimas de siniestros (Independente, 2015), primeiro registro do grupo, responsável por alçá-los ao posto de grande revelação do rock peruano.
Em tempos que o ambiente digital responde por grande parte do auê em volta de grupos e artistas, a história do Fútbol en la Escuela guarda uma curiosidade: o resultado deste repentino sucesso é responsabilidade do bom e velho boca a boca.
Tendo como referências bandas que fizeram parte da cena rock alternativa dos anos 90, ouví-los é compreender as razões que lhes renderam sucesso. “Escutamos bandas como Stereo Lab, Yo la Tengo, Sonic Youth, Holden e outras. Era a música que escutávamos em nossa adolescência”, explica Sayo Arriarán, guitarrista e vocalista do grupo, além de responsável pelas composições e por ter iniciado o projeto.
“Antes da Fútbol en la Escuela surgir, nos dedicávamos aos estudos e ao trabalho”, conta Sayo, em entrevista concedida antes de uma pequena pausa para o Carnaval. “Sempre tive necessidade de compor minhas canções. Faço isso desde quando tinha 13 anos, mas nunca havia me animado a gravar nada”. Com pouco dinheiro para investir na gravação de sua obra, o músico seguiu se dedicando apenas a estudar música. Uma característica muito marcante na banda, facilmente perceptível nas falas de cada um deles, é a ciência de que o sucesso repentino, apesar de já digerido, ainda não representa o ápice do quinteto. “Seguimos sendo uma banda nova para a cena musical peruana”, afirmam. “Ainda há muito mais a percorrer”.
‘A impressão é que as pessoas tendem a engrandecer tudo o que vem de fora da América Latina somente por ter participado neste ou naquele festival’.
Repleto de canções nas quais as paisagens sonoras compõem parcela representativa da estética proposta pela Fútbol en la Escuela, Canciones para víctimas de siniestros é um álbum que fala de amor “sem chegar a ser rídiculo, mas com um certo ar de esperança”. Gravado de maneira independente, a qualidade do registro é vista em cada camada de riffs que flutua entre a alternatividade, o dream pop, noise e shoegaze. “O disco foi produzido com recursos próprios, como quase todas as coisas feitas no Peru”. Faixas como “Sobre ti”, “Mi chompa”, “Souvenir”, “Música para fantasmas” e “Mejor enemigos” são a cara de uma geração que procura seu espaço no mundo, buscando a resposta para perguntas elementares à nossa humanidade. A faixa “Mejor enemigos” foi a primeira a ganhar um clipe.
Se fazer música no Peru não é uma realidade tão simples como os próprios músicos apontam, ao menos é inegável que há uma efervescência cultural pondo as cidades em ebulição. Um acontecimento marcante foi o lançamento do canal Movistar Música, que tem como proposta apresentar somente conteúdo musical, tal qual a antiga MTV durante a década de 1990. Uma das estratégias do canal é dar margem à divulgação da música peruana através de diferentes conteúdos. Também a rede de televisão estatal TV Perú inaugurou um programa exclusivamente da cena independente peruana, o Mapa Sonoro, do qual a Fútbol en la Escuela também participou. Suficiente? Ao que tudo indica, não.
“Estamos longe de possuir uma indústria musical”, aponta Arriarán. Entre as dificuldades encontradas e apontadas pelo grupo, o baixo interesse da maioria da população em consumir arte e o reduzido espaço nos veículos de comunicação são os maiores. “As pessoas não estarem interessadas em consumir arte torna muito mais difícil a divulgação da banda”.
DO PERU PARA O MUNDO E DE VOLTA AO PERU
“O mercado latino é muito interessante para nós que compomos em espanhol. O idioma ajuda muito, ainda que muita gente não dê credibilidade ao que não fez sucesso em terras norte-americanas ou europeias”. Quando se olham no espelho, o reflexo é muito parecido com o de muitas bandas brasileiras, por exemplo. “A impressão é que as pessoas tendem a engrandecer tudo o que vem de fora da América Latina somente por ter participado neste ou naquele festival”, comenta Sayo.
Enquanto grupos como Mangazoides, Ertiub, Submarino, Serto Mercurio, Laikamori, Catervas e o próprio Fútbol en la Escuela estabelecem um contraponto na cena musical de Lima, criando essa efervescência quase do zero, viver de música na região tropical do mundo ainda representa um número infindável de obstáculos.
“Fazer música nesta parte do mundo não é fácil. Em países como Chile, Argentina e Colômbia a situação parece melhor”, sintetizam os músicos, que afirmam também que a internet é uma ferramenta extremamente útil para grupos emergentes estarem em contato com outras partes do mundo. “Mas não basta. É necessário bastante apoio dos veículos especializados para sobressair e para que o público te reconheça em outras partes do mundo”, comenta.
“Não pretendíamos ser nem nos consideramos artistas com talento especial. Somos apenas amigos fazendo o que gostamos e sempre tratamos de passar adiante o melhor que podemos”. É assim que o quinteto sintetiza o que faz hoje, citando que seguir gravando e lançando discos é o objetivo, mesmo sem ter nenhum plano futuro para o momento. Que nossos caminhos tornem a se cruzar.
NO RADAR | Fútbol en la Escuela
Onde: Lima, Peru.
Quando: 2015.
Contatos: Facebook | Twitter | Bandcamp | YouTube