“Você deve experimentar a vida antes de cantá-la”. A frase pertence ao cantor de jazz norte-americano Gregory Porter, e se dita por qualquer outra pessoa poderia acabar sendo taxada como uma rasa autoajuda. A questão é que Porter não é um nome qualquer na música, ainda que pelo gênero escolhido, o jazz com um acento pop, acabe sendo razoavelmente desconhecido nos países e nichos onde o ritmo não seja tão disseminado. Se sua passagem pelo Brasil rendeu inúmeras tentativas de decifrá-lo para o público – em parte para garantir lotação em seus shows -, em Londres, Porter é uma grande estrela.
De voz mansa quando fora dos palcos, uma tendência rara em tempos de gritaria, Porter opta por um tom suave, mas com a profundidade necessárias a fazer com que estejamos atentos à sua fala. Porém, é sua potência vocal e o talento em encaixar as notas de maneira precisa que lhe renderam dois Grammys, um deles neste ano, a admiração de artistas como Buddy Guy e o respeito da crítica especializada. Tudo isso com apenas 45 anos de idade, sendo que em quase 20 anos de carreira, foi lançar seu primeiro álbum, Water, em 2010. De lá para cá, lançou outros 4 discos, entre eles Liquid Spirit (2013) e Take Me to the Alley (2016), pelos quais venceu o Grammy, e Nat “King” Cole & Me, lançado este ano, um encontro de Gregory com o homem que sempre foi uma espécie de mestre a ele.
Gregory Porter quase foi um jogador de futebol americano, não fosse um problema em seu ombro. Aos 21 anos, perdeu sua mãe, vítima de câncer, mas não antes dela dar-lhe a benção e uma ordem: “Cante, querido, cante!”. Não raras vezes, sua mãe afirmava que Porter soava como Cole, “e isso fez com que eu imaginasse Nat como meu pai”, afirmou o cantor em entrevista ao Daily Mail. “Nat deu-me mais conselhos que meu pai de verdade. Ele disse, ‘A grande coisa que você pode aprender na vida é amar e ser amado de volta’.” Foi dessa maneira que o fascínio de Porter por Cole começou, e a hora de pagar tributo ao seu mestre não poderia vir em uma data mais simbólica. O lançamento das regravações dos clássicos de Nat “King” Cole acontece justamente aos 45 anos de Gregory Porter, mesma idade que Nat tinha quando faleceu em decorrência, ora vejam, de um câncer, em 1965.
Há mais coisas que se cruzam na relação de Cole e Gregory do que o jazz. Nat enfrentou o racismo do universo do entretenimento em uma época que a segregação racial era a tônica da sociedade norte-americana. O músico chegou a ter uma cruz em chamas posta no quintal de sua casa, em Los Angeles, por integrantes da Ku Klux Klan, em 1948, além de ter sido espancado por supremacistas brancos após um concerto em 1956. De forma semelhante, Porter viver uma infância cercada por casos de racismo, em especial os praticados contra a mãe. Ainda assim, e sem negros como referencial na TV, como contou à Serafina, ele juntou forças para tornar-se uma das vozes mais doces da música contemporânea – e tudo isso em uma época que, ironia ou não, supremacistas brancos tornam a marchar pelo país, amparados pelo silêncio de seu atual presidente.
Fã de Milton Nascimento e Tom Jobim, cuja melodia inspirou a canção “Ilusions”, o norte-americano vê na música brasileira uma fonte de inspiração.
Sua segunda passagem pelo país (a primeira foi em 2013, apresentando-se apenas em São Paulo) deu-nos a chance de conferir de perto um músico que une brilhantemente o jazz, música gospel, R&B e pop com letras cuidadosamente trabalhadas e sua voz suave de barítono. Fã de Milton Nascimento e Tom Jobim, cuja melodia inspirou a canção “Ilusions”, o norte-americano vê na música brasileira uma fonte de inspiração. “Muitas composições brasileiras seguem arranjos com longos saltos e intervalos, e complexas linhas melódicas.
Com um olhar muito cuidadoso, inclusive em revisitar a obra de seu grande ídolo, as canções de Gregory Porter são preenchidas por seu canto aveludado, capazes de abraçar o ouvinte mais desconectado do universo do jazz e levá-lo por um passeio encantador. Gregory Porter é um nome fundamental, um gênio contemporâneo.
NO RADAR | Gregory Porter
Onde: Sacramento, Estados Unidos.
Quando: 1998.
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